Título: Rodízio alterou divisão de forças do setor
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2008, Investimentos, p. D6
Em 12 anos, desde que foi instituído pelo Banco Central em 1996 na esteira dos escândalos dos bancos Econômico e Nacional, o rodízio de firmas de auditoria não economizou polêmicas. E ajudou a mudar a divisão de forças entre as principais empresas do setor de contabilidade.
A decisão do BC foi seguida em 1999 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que estendeu a rotação obrigatória para todas as companhias de capital aberto e impediu as auditorias de prestar de serviços de consultoria para seus clientes de auditoria.
As auditorias foram juntas à Justiça contra a medida, mas logo passaram a se digladiar na disputa pelas empresas. O rodízio da CVM e a quebra da Arthur Andersen, que aconteceu pouco antes da medida entrar em vigor, viraram o setor de cabeça para baixo.
A Deloitte, antes a menor das então "cinco grandes", passou rapidamente para a primeira posição no ranking de auditoria de companhias de capital aberto (o que é, lembre-se, apenas parte do faturamento total das firmas). A PwC, ex-líder, caiu para a terceira posição recentemente com o "mini-rodízio" que aconteceu neste ano com os ex-clientes da Andersen, perdendo lugar para a KPMG.
Apesar da briga comercial, recheada de acusações de parte a parte, as grandes firmas, agora quatro, mantiveram sempre o discurso contra o rodízio. Por isso, a decisão do BC, principalmente, e o congelamento da CVM foram comemorados pelos auditores.
"A medida é mais consistente com o discurso do governo sobre a necessidade de convergência com os normas contábeis internacionais", disse Henrique Luz, sócio da PwC. No contexto de convergência regulatória, diz, não há lugar para o rodízio de firmas, "que só aumenta o risco para os acionistas".
A decisão da CVM de apenas prorrogar o prazo causou surpresa. "A expectativa era que a decisão viesse em linha com a do BC", afirmou Wanderley Olivetti, sócio da Deloitte. "Mas ainda assim foi um progresso." Ele lembra que, além das normas internacionais de contabilidade (IFRS), o Brasil também está a caminho de adotar as normas internacionais de auditoria. Nesse ambiente, o rodízio ficaria fora de contexto. "O BC, que adotou o rodízio antes da CVM, adiou a medida duas vezes antes de tomar a decisão", disse. "Talvez a CVM precisa de mais tempo."
Para Sergio Romani, sócio da Ernst & Young, a expectativa é que a CVM se alinhe ao BC mais tarde e também acabe com o rodízio. "Mas a medida atual já é boa, pois abre a possibilidade de a comunidade de negócios debater novamente o tema", disse.
Henrique Luz, da PwC, acredita que a CVM está apoiando sua decisão num estudo da PUC, que seria apenas "quantitativo". "Há estudos qualitativos que mostram a ineficiência da medida."
Uma avaliação do General Accounting Office (GAO), braço de auditoria e investigação do Congresso americano, em 2003, chegou à conclusão de que o rodízio de firmas de auditoria não seria o meio mais eficiente para fortalecer a independência do auditor e melhorar a qualidade da auditoria.
Jaime Cervatti, sócio da KPMG, vê uma flexibilização na atitude da CVM, de certa forma uma sinalização para o fim em 2011. A firma, que auditava 40 companhias abertas há cinco anos, hoje tem 110, com resultado do rodízio e da onda de abertura de capital, que levou novas empresas ao mercado.
Uma das únicas vozes dissidentes entre os auditores é de José Fernando Boucinhas, da RSM Boucinhas, Campos & Conti. "É um retrocesso", afirmou. "O setor é o guardião da credibilidade do mercado e o rodízio era uma garantia contra a promiscuidade."