Título: AGU faz mediação entre União e Estados
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Brasil, p. A3

A Advocacia-Geral da União (AGU) começou a promover "conciliações" entre o governo federal e os Estados para evitar que disputas na Justiça inviabilizem empréstimos para obras de infra-estrutura locais ou criem impasses em áreas estratégicas, como o petróleo. O objetivo dessas negociações é dar soluções imediatas para batalhas jurídicas milionárias entre a União e os Estados e, com isso, evitar que projetos de investimentos se arrastem por anos na Justiça, passando de instância a instância, até chegar à decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF). Ruy Baron/Valor José Toffoli, da AGU: "A questão não é se o Estado ou a União vai ganhar ou perder, mas sim resolver os problemas"

Até julho, as conciliações envolviam apenas órgãos da União, como a Receita Federal e o Banco Central. A Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU conseguiu evitar gastos de R$ 900 milhões nessas pendências entre órgãos federais desde 2005. Atualmente, os casos sob análise somam disputas de R$ 274,1 milhões.

Desde julho, a AGU passou a resolver pendências entre a União e os Estados, onde os valores costumam ser muito maiores. A conciliação mais recente envolve uma disputa de quase R$ 3 bilhões em royalties de petróleo, que chegou à AGU na semana passada. Trata-se de uma disputa entre o governo do Rio de Janeiro e a Petrobras quanto aos valores pagos pela exploração no campo de Marlin, o maior produtor e exportador do Brasil, que fica no Rio.

Recentemente, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu que o Estado do Rio deveria receber a mais pela chamada Participação Especial - valor pago sobre a produção nos grandes campos de petróleo, que funciona como um adicional aos royalties. A Petrobras sinalizou que passaria a fazer os repasses de acordo com a decisão da ANP. Mas o governo fluminense resolveu cobrar a estatal pelos últimos cinco anos, o que chegaria a quase R$ 3 bilhões. A Petrobras impetrou mandado de segurança contra a ANP na Justiça Federal do Rio e foi criado o impasse.

"Vamos fazer uma conciliação nesse caso", afirmou o advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli. Foi ele que assinou a regulamentação para as conciliações com os Estados, em julho passado. Desde então, começaram a chegar os primeiros pedidos dos governos locais. Em agosto, o governo do Espírito Santo pediu à AGU para solucionar um impasse envolvendo um empréstimo de US$ 71,5 milhões para o Espírito Santo. O dinheiro foi obtido junto ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) para a conclusão de um projeto de saneamento básico na capital do Estado, Vitória, e em mais três municípios: Vila Velha, Cariacica e Guarapari.

O problema é que empresas estatais do Espírito Santo têm dívidas com órgãos públicos federais, como a Receita. Por conta dessas dívidas, o Estado está inscrito no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin). A inscrição no Cadin impede a obtenção de Certidão Negativa de Débitos. Sem a certidão, o Estado não consegue a autorização para obter o empréstimo internacional. E sem o empréstimo, nada de obras. A previsão é que as obras de saneamento elevem de 54% para 95,5% a cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgoto em Vitória. Nos outros municípios, os serviços passariam de 36% para 60%.

A solução começou a ser discutida no dia 3 deste mês na Câmara de Conciliação da AGU, quando procuradores do Espírito Santo se reuniram com representantes da Secretaria do Tesouro Nacional e da Procuradoria da Fazenda na tentativa de chegar a um consenso. Eles colocaram o problema na mesa e, agora, esperam chegar a uma proposta que poupe o governo capixaba de recorrer à Justiça contra o governo federal.

Toffoli percebeu que casos como esse, em que governos locais ficam impedidos de obter empréstimos, são comuns e que a solução mais rápida para garantir a realização das obras é a conciliação. "A questão não é se o Estado ou a União vai ganhar ou perder", disse o advogado-geral, "mas sim resolver os problemas."

O governo do Espírito Santo poderia recorrer à Justiça na tentativa de garantir o empréstimo. Só que, no Judiciário, teria de contestar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veda a obtenção de empréstimos para Estados que têm dívidas com órgãos federais. No ano passado, o governo do Distrito Federal viveu problema semelhante, ao não conseguir liberação de empréstimo de R$ 35 milhões, e recorreu ao STF. O Distrito Federal chegou a quitar parte dos débitos que tinha com a União - menos de R$ 10 milhões - para obter o financiamento, mas não pagou toda a dívida cobrada por órgãos do governo federal, porque tinha a seu favor pareceres do Tribunal de Contas da União e Ministério Público. O ministro do Supremo Carlos Alberto Menezes Direito, atento à LRF, negou o pedido. Mas, em decisão posterior, a ministra Ellen Gracie concluiu pela necessidade de liberação das verbas.

Esse episódio mostrou a incerteza quanto a recorrer à Justiça. Foi necessária a apreciação por dois ministros do STF para sair a liberação de verbas para as obras, que já tinham o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do BNDES.

Outro problema: sem a conciliação, os ministros do STF são constantemente chamados para julgar as contas dos Estados em litígio com órgãos federais. São processos estafantes, levados pelos governadores com pedidos de urgência ao tribunal. E, na outra ponta, estão órgãos do governo, normalmente a Receita, ou o Tesouro Nacional, que, ao cobrar as dívidas, também pressionam os ministros.

"A solução judicial sempre deixa mágoas, pois temos de dizer sim ou não", explicou o ministro Ricardo Lewandowski. Ele é um dos maiores entusiastas da conciliação e orientou tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) sobre o assunto. A tese, do advogado Roberto Ulhôa Cintra, diz que os conflitos na sociedade estão divididos numa pirâmide. Da base até a metade, estão conflitos que não são essenciais para a vida das pessoas e, portanto, deveriam ser resolvidos mediante mediação, arbitragem e conciliação - procedimentos que evitam a Justiça.

"A conciliação é muito importante, pois harmoniza os dissensos na sociedade", justificou Lewandowski. "Apenas os conflitos mais importantes, os que discutem bens ou direitos indisponíveis aos cidadãos, deveriam ir para o Judiciário", completou o ministro. São os conflitos do topo da pirâmide que chegam ao Supremo Tribunal Federal.