Título: PIB menor em 2009 deve afetar pouco a política fiscal
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Brasil, p. A3

O governo federal contratou uma expressiva elevação das despesas obrigatórias para o ano que vem, de 13,1% em relação a 2008, projetando uma expansão das receitas da mesma magnitude (13%) para financiar os gastos. Essa expectativa de arrecadação se baseia numa previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,5% em 2009, um número que, visto de hoje, é otimista - analistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central (BC) esperam 3,6%. No entanto, parece pequeno o risco de que o governo tenha dificuldades para bancar o aumento de gastos e cumprir a meta de superávit primário mesmo se a expansão do PIB ficar mais próxima de 3,5% do que de 4,5%, uma vez que a estimativa de aumento de receitas não é exagerada. Nos últimos anos, observam os economistas, as receitas federais (em termos reais) têm crescido o dobro do PIB.

O grande problema da política fiscal continua a ser estrutural, segundo economistas. Ao aumentar com força os gastos com pessoal e aposentadorias, o governo enrijece um orçamento que já é pouco flexível. Em caso de necessidade de algum ajuste, sobrará mais uma vez para as despesas discricionárias (aquelas sobre as quais há controle), como investimentos. Além disso, gastos públicos em alta forte pressionam a demanda, tirando espaço do crescimento do consumo das famílias e do investimento.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, chama a atenção para a magnitude do aumento de gastos com pessoal que consta do projeto de lei orçamentária de 2009, refletindo os generosos reajustes concedidos ao funcionalismo. Pelas contas do governo, essas despesas devem passar de R$ 133,3 bilhões neste ano para R$ 155,3 bilhões no que vem - uma alta de 16,5%. "Se a comparação for feita com os R$ 120,6 bilhões atingidos nos 12 meses até junho de 2007, o aumento será de 28,7% em 18 meses", diz Montero. De janeiro a junho, os dispêndios subiram 9,29% sobre igual período de 2007.

A expansão dos gastos com a folha de salários da União é fonte de preocupação também no Ministério da Fazenda. O secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, disse que o ministro Guido Mantega está se empenhando em aprovar um teto para a expansão do gasto público, conforme já proposto pelo Executivo ao Congresso, e, para isso, já esteve com o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), para que ele indique o relator e ajude na tramitação dessa medida. Barbosa trabalha com um crescimento de 4,5% do PIB em 2009 e avalia que mesmo o aumento dos gastos com pessoal não comprometerá a meta de superávit primário de 3,8% do PIB para o próximo ano. Ele receia, porém, que um crescimento bem menor do nível de atividade, na casa dos 3,5%, possa implicar dificuldades para a gestão da política fiscal no ano que vem.

Os gastos com benefícios previdenciários e assistenciais devem aumentar 14,6%, segundo o projeto do governo. O reajuste de 12% previsto para o salário mínimo, que corrige cerca de dois terços dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é a principal explicação para essa alta.

Junto com os gastos com pessoal, esses dispêndios respondem por 93,6% das despesas obrigatórias esperadas para o ano que vem. "Aumentos expressivos para o funcionalismo e o reajuste elevado para o salário mínimo engessam ainda mais o Orçamento, porque são gastos permanentes que não podem ser ajustados em caso de perda de receita", diz o economista Fernando Fenolio, do Unibanco.

Para bancar essas despesas, o governo federal projeta aumento de 13% nas receitas totais e de 12,5% nas líquidas (que não incluem transferências para Estados e municípios). Montero considera que esse ritmo de crescimento de arrecadação é factível mesmo com uma expansão do PIB de 3,5% em 2009, e não de 4,5%. Segundo ele, uma "regra de bolso" indica que as receitas crescem, em termos reais, o dobro da taxa de avanço do PIB. Com isso, uma alta de 3,5% do PIB tende a elevar a arrecadação real em 7%. Como acredita que o nível médio do IPCA deve ficar em 5,5% em 2009, o aumento da receita em termos nominais (dada pela alta real mais a variação da inflação) ficaria em 12,9% - muito próximo dos 13% projetados pelo governo.

Segundo Montero, o que interessa para a variação nominal do PIB e das receitas é o nível médio de preços, e não a inflação acumulada em 12 meses até dezembro - parâmetro para o qual ele projeta um IPCA de 4,8%, ligeiramente acima dos 4,5% estimados pelo governo. Vale lembrar que uma inflação um pouco mais alta ajuda a inflar as receitas e o PIB em termos nominais.

Fenolio também não acha que a alta da arrecadação prevista pelo governo está exagerada. Segundo suas simulações, com um crescimento do PIB de 3% em 2009, as receitas totais ficariam na casa de R$ 800 bilhões, apenas 1,1% abaixo dos R$ 808,9 bilhões estimados no projeto de lei orçamentária.

Para ele, é possível que o Planejamento tenha subestimado o aumento da receita, uma prática comum, que tem como objetivo diminuir pressões políticas por mais gastos. Além disso, o governo também trabalha com uma alta mais modesta para as chamadas despesas discricionárias em 2009, diz Fenolio. O projeto de lei orçamentária prevê expansão de 11,5% para esses gastos, uma taxa elevada, mas inferior à que deve ser registrada neste ano. Ele nota que, de janeiro a julho, as despesas de custeio e capital, rubrica que concentra os gastos discricionários, cresceram 17,4% em relação ao mesmo período de 2007.

Fenolio ressalta que o governo terá uma margem de manobra menor no ano que vem, ainda que a sua previsão de aumento de receita não esteja muito superestimada. "Não haverá a folga que houve nos últimos dois anos." Ele diz que o setor público (União, Estados, municípios e estatais) deve conseguir um superávit primário de 3,8% do PIB sem grandes problemas, mas acha que um esforço fiscal igual à meta ajustada deste ano, de 4,3% do PIB, tende a exigir alguma moderação no ritmo de alta dos gastos discricionários.

Lygia Cesar, da MCM Consultores, também acredita em algum ajuste na velocidade de crescimento de gastos sobre os quais o governo tem controle, como os investimentos. Ela estima receitas líquidas 1,4% menores que os R$ 662,3 bilhões projetados pelo Planejamento para 2009, levando em conta uma alta do PIB de 3,8%. "É uma diferença pequena, que pode levar o governo a ter de moderar de fato as despesas discricionárias."

Para Montero, o problema da política fiscal não é se a União vai conseguir honrar ou não as despesas contratadas, mas sim o ritmo de aumento dos dispêndios. Com um PIB que deve crescer algo com 3,5%, despesas obrigatórias avançando bem acima de dois dígitos em 2009 não são uma boa notícia para a dinâmica da economia, pois fica menor o espaço para a expansão de outros componentes da demanda, como o consumo das famílias e o investimento. Nesse cenário, diz, os juros tendem a ficar num nível mais alto do que se os gastos públicos crescessem a um ritmo menos acentuado. (Colaborou Cláudia Safatle, de Brasília)