Título: Morales negocia com oposição na Bolívia, mas tensão persiste
Autor: Lyons, John
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Internacional, p. A11

O presidente da Bolívia, Evo Morales, aceitou negociar um fim para o conflito com províncias governadas pela oposição, depois que a violência política matou pelo menos 30 pessoas durante a semana passada e que tropas do governo foram mobilizadas. AP Armados com bastões, opositores do presidente Evo Morales montam guarda na praça principal de Santa Cruz

O anúncio das negociações em La Paz, entre o vice-presidente e um representante dos cinco governadores oposicionistas, foi um reconhecimento de ambos lados de que o país, cronicamente instável e rico em gás natural, estava caminhando para a guerra civil. As negociações, que começaram na noite de sexta-feira, estavam marcadas para continuar ontem à noite.

Mas, embora as negociações possam servir para esfriar os ânimos no curto prazo (a oposição se comprometeu a encerrar os bloqueios de estradas), pouca gente no país manifestava confiança de que resolverão o impasse político.

"Esses caras só sabem bater cabeça", disse a dona de uma pequena mercearia no bairro pobre Plano 3.000, uma área da periferia de Santa Cruz onde Morales conta com amplo apoio. Ela estava instalando grade de metal nas vitrines de sua loja para protegê-la dos embates noturnos entre facções políticas, que geralmente descambam para saques. Ela não quis dar seu nome por medo de represálias.

A Bolívia e a Venezuela expulsaram os embaixadores dos Estados Unidos na semana passada, acusando o governo americano de orquestrar oposição a Morales, uma acusação que os EUA negaram. O suprimento de gás natural ao Brasil - que recebe da Bolívia metade do seu consumo - e à Argentina diminuíram na semana passada, depois que opositores danificaram instalações. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o aliado mais próximo de Morales, prometeu financiar um movimento rebelde na Bolívia se o governo do país entrar em colapso.

Praticamente no meio do primeiro mandato de Morales, de cinco anos, a Bolívia está se fragmentando em linhas geográficas, raciais e econômicas. Morales quer tirar da pobreza seus partidários, a maioria indígena, por meio de uma nova Constituição socialista. Seu plano, porém, tem a oposição dos governadores de cinco províncias orientais economicamente importantes (Santa Cruz, Beni e Pando, que fazem fronteira com o Brasil, e Tarija e Chuquisaca) que vêem a Constituição como tentativa de consolidar o poder e uma receita para a ruína econômica.

Quatro das cinco províncias declaram autonomia do governo central, um gesto que até agora foi principalmente simbólico.

Uma série de plebiscitos locais e nacionais não conseguiu resolver o impasse político, e os dois lados passaram a recorrer a táticas mais duras. Morales bloqueou o repasse da receita de impostos às províncias rebeldes. Em resposta, manifestantes oposicionistas destruíram escritórios do governo, bloquearam estradas e teriam danificado instalações de gás natural.

Partidários de Morales criaram seus próprios bloqueios em estradas, e vez ou outra entraram em choque com oposicionistas.

A violência chegou ao auge semana passada, quando um grupo de governistas que marchava rumo à capital da Província de Pando entrou em conflito com uma milícia contrária a Morales. As autoridades informaram no sábado que o número de mortos nesse episódio pode passar de 30, à medida que as equipes de busca continuavam a encontrar corpos na mata.

Morales reagiu enviando tropas para controlar o aeroporto de Pando. Numa cena caótica, veiculada em rede nacional, tropas do governo mataram no sábado um pastor evangélico desarmado que tentava servir como mediador entre as tropas e os manifestantes. Morales mandou os militares prenderem o governador de Pando e manter o estado de sítio na região. Na prática, no entanto, os militares controlam apenas a área do aeroporto.

A embaixada americana autorizou funcionários não essenciais e familiares a deixarem o país. Enquanto isso, a American Airlines cancelou seus vôos para La Paz.

Como uma condição para as negociações com o governo, os governadores oposicionistas exigem a suspensão do estado de sítio e do mandado de prisão. Eles também querem que Morales desbloqueie o repasse de recursos às províncias e lhes dê mais autonomia na nova Constituição. Morales não deu sinais de que vai concordar com as exigências. De fato, ele tem até incentivado mais violência.

"Ainda há o que se pagar para alcançar a igualdade entre os bolivianos", disse o presidente a seus partidários no fim de semana.

Em paralelo, líderes de Santa Cruz, centro agrícola e de produção de gás que também é o coração do movimento oposicionista, prometeram lutar para alcançar autonomia política do governo Morales. De fato, enquanto Morales mobilizava suas tropas, líderes de associações civis de Santa Cruz corriam para organizar suas próprias milícias de defesa.

"Não voltaremos atrás um único passo", disse Beto Añez diretor do Comitê Civil de Santa Cruz, uma associação que é uma das principais lideranças da oposição a Morales na província. "Pode ser que estejamos entrando numa guerra civil, pode ser até uma de baixa intensidade, mas ainda será bolivianos matando bolivianos."

A violência não é nada de novo na política boliviana. Morales foi eleito em 2005 depois de liderar protestos violentos que ajudaram a derrubar dois presidentes eleitos. Ele obteve o apoio da maioria indígena do país ao prometer um retorno ao período de convivência comunal e igualdade econômica que ele diz que existia antes da colonização espanhola. Para fazer isso, nacionalizou alguns setores e defende uma nova Constituição que permitirá a reeleição, fornecerá direitos sobre a terra com base na etnia indígena, redefinirá o conceito de propriedade privada e expandirá o controle do governo sobre a economia.

Morales, líder dos produtores de plantas de coca bolivianos, também já entrou em conflito com os EUA por causa da política americana de combate ao narcotráfico. Quando foi expulso, o embaixador americano estava pressionando o governo Morales a tomar uma atitude em relação às ameaças a agentes da Administração de Combate às Drogas dos EUA que trabalhavam na região produtora de coca de Chapare.