Título: Oferta apertada de gás já encareceu a energia elétrica no Brasil neste ano
Autor: Goulart, Josette
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Internacional, p. A11

O risco de corte do gás natural da Bolívia é um problema que vem assombrando o Brasil há mais de cinco anos e que afeta diretamente o planejamento energético brasileiro. Foi por causa de uma crise de gás que o desequilíbrio entre oferta e demanda de energia, agravado pela falta de chuva, levou o país a queimar combustível em termelétricas no primeiro semestre desse ano. Medida essa que gerou encargos bilionários que agora estão sendo pagos pelos consumidores cativos. Na semana passada, o plano de contingência apresentado pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, mais uma vez passa pelo planejamento elétrico.

Disse o ministro que, num eventual corte do gás da Bolívia, a primeira medida é desligar as termelétricas. Nas contas do professor da Universidade de São Paulo e ex-diretor de gás e energia da Petrobras, Ildo Sauer, no dia anterior ao início da crise boliviana as usinas termelétricas do Sudeste estavam queimando 12 milhões de m3 por dia. Além disso, entre 3 e 5 milhões de m3 são usados pela Petrobras. Fazendo estes dois cortes, já se conseguiria driblar parte do problema.

E o país tem reserva hidrológica para a produção de energia suficiente para fazer isso. Os dados do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram que os níveis dos reservatórios em todas as regiões estão pelo menos 10 pontos percentuais acima dos níveis-meta estabelecidos pelo governo. O presidente da Associação da Usinas Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira, diz que é possível parar por um ou dois meses as termelétricas sem comprometer os reservatórios.

Para Sauer, são os consumidores livres descontratados que estão expostos a uma suspensão de gás, já que dessa forma pode subir o preço da energia. Os consumidores cativos não sofreriam porque já têm a energia contratada a preço fixo, e ele descarta a necessidade de se ligar as térmicas movidas a óleo, que acrescentam encargos para todos os consumidores. "A Petrobras tem entregado mais gás do que o contratado, o que significa que, mesmo com um corte boliviano, é possível resolver facilmente o problema", diz Sauer.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, diz que a falta de gás natural foi o grande vilão do acionamento das termelétricas nesse ano. "Por causa do gás natural, o Brasil perdeu 12% de sua oferta firme de energia", diz Sales. Isso se deveu à crise de produção do gás boliviano, que afetou a Argentina e deixou usinas termelétricas, como AES Uruguaiana, sem energia para entregar ao sistema.

É nesse ponto Sauer diz que os consumidores livres agem. "A Petrobras tinha todo o gás que havia vendido para entregar", diz Sauer. O problema é que o governo mandou que as termelétricas que não tinham gás contratado entrassem em funcionamento para salvar os consumidores livres que estavam tendo que pagar mais caro no mercado à vista, alega ele.

O que todos concordam é que, com a entrada do Gás Natural Liquefeito (GNL), que será provido pela Petrobras no total de 20 milhões de m3 a partir do ano que vem, o sistema passa a ser mais seguro. Não supre uma ruptura total do fornecimento de gás da Bolívia, que é de 30 milhões de m3, mas diminui riscos temporários e evita que o governo tenha que mexer no sistema elétrico. Mas o GNL é mais caro que o gás natural boliviano.