Título: Economia surpreende, mas ainda requer controle fiscal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Opinião, p. A12

Puxada principalmente pelo forte crescimento do consumo das famílias e dos investimentos, a economia brasileira surpreendeu ao expandir 6,1% no segundo trimestre. O que parece indicar que, desta vez, não se trata de um "vôo de galinha" o comportamento dos investimentos, que registraram, no período analisado, a maior taxa de crescimento em 13 anos - 16,2%, quando comparada ao segundo trimestre de 2007.

Os números oficiais, divulgados pelo IBGE semana passada, mostram que os investimentos vêm se acelerando de forma consistente desde o primeiro trimestre de 2004. É possível que o ritmo diminua um pouco nos próximos meses, uma vez que o Banco Central (BC) vem aumentando, desde abril, a taxa básica de juros (Selic), o que encarece os custos de financiamento das empresas e dos consumidores.

É verdade que, na comparação com o mesmo período do ano passado, entre abril e junho a taxa Selic média já foi pouco mais alta - 12,3%, face a 11,7%. Ainda assim, o ritmo dos investimentos não foi abalado. Em parte, a explicação está no crescimento da oferta de crédito não direcionado para empresas - 41,3% em termos nominais, 7,4 pontos percentuais acima da expansão no primeiro trimestre do ano.

A crescente oferta de crédito tem ajudado a explicar em boa medida o sucesso recente da economia nacional. No segundo trimestre, as operações de crédito com recursos livres cresceram nominalmente 33%. Acrescente-se a isso uma alta de 8,1% na massa salarial. O resultado: os brasileiros têm ido às compras com grande desembaraço. O consumo das famílias, o componente mais importante do Produto Interno Bruto (PIB), com 61% de participação, avançou 6,7% no segundo trimestre. Foi o 19º trimestre consecutivo em que isso aconteceu.

Confiantes na sustentação do ciclo econômico, as empresas também estão indo às compras para atender a demanda e conquistar mercado. Este é o momento, do contrário ficarão para trás. A corrida é pela compra de bens de capital (máquinas e equipamentos) para ampliar a capacidade produtiva.

Segundo o IBGE, a taxa de investimento da economia, medida pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), chegou a 18,7% do PIB no segundo trimestre. Trata-se do patamar mais elevado desde o segundo trimestre do ano de 2000. Em 13 anos, foi o segundo melhor resultado, embora ainda esteja aquém das taxas históricas registradas nos anos 70 e mesmo entre 1993 e 1995, quando o país deu os primeiros passos rumo à estabilização da economia.

Investimentos são sempre bem-vindos, mas num primeiro momento eles pressionam a demanda e, portanto, a inflação. Este é o dilema vivido pelo Brasil neste momento. A aquisição de bens de capital é crucial para sustentar o crescimento do PIB em ritmo acelerado, mas, se a demanda continuar crescendo bem acima da oferta, como vem acontecendo, o BC poderá intensificar o aperto monetário, o que esfriaria os investimentos e, assim, a velocidade de expansão da economia.

Vários economistas têm ressaltado o risco do país crescer por muito tempo acima do seu potencial, o que já vem acontecendo há um par de anos. Armando Castelar, da Gávea Investimentos, calcula que, para crescer 6% ao ano, como vem fazendo o Brasil desde o último trimestre de 2007, a economia precisaria aumentar a taxa de investimento para algo entre 22% e 23% do PIB, um patamar impossível de ser alcançado no curto prazo. "Para crescer acima de 5%, no mínimo, 21% (do PIB)", disse Castelar em entrevista a "O Globo".

Ao calibrar os juros, o BC olha para os componentes da demanda e ataca o que está à sua mão, que é o consumo das famílias e das empresas. O terceiro componente, o consumo do governo, que cresceu 5,3% no segundo semestre de 2008 frente a igual período do ano passado, está fora de seu controle. Caberia ao setor público aumentar o esforço fiscal para ajudar o BC na tarefa de conter a demanda e controlar a inflação. De forma meritória, o governo recém elevou a meta de superávit primário de 3,8% para 4,3% do PIB, mas o esforço tem se mostra insuficiente, ainda mais frente ao exuberante crescimento da arrecadação. Seria apropriado, para evitar inflação e desequilíbrios nas contas externas, o governo ser mais parcimonioso na gestão do gasto público.