Título: Regra da UE atrasa distribuição da cota Hilt
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Agronegócios, p. B12

O governo e os frigoríficos exportadores foram "surpreendidos" pela decisão da União Européia de suspender as compras de carne bovina congelada dentro da chamada cota Hilton. Uma norma do bloco, em vigor desde 11 de agosto deste ano, restringiu as compras aos cortes de carne fresca e refrigerada.

Mas a "surpresa" com a nova regra da UE parece sem fundamento. Isso porque a diretiva do bloco foi debatida entre Brasil e UE em 2005, no âmbito das negociações sobre boas práticas, rastreamento do gado (Sisbov) e processamento industrial da produção especificamente para a cota Hilton. Além disso, a Diretiva nº 810/2008 do bloco já havia sido adiada em duas ocasiões, em 2006 e 2007.

A cota, usada para exportar cortes de alto valor agregado, permite a venda de 5 mil toneladas com tarifa de apenas 20%, enquanto no extra-cota há um imposto de 12,8%, mais 3.041 euros por tonelada. Com tarifa menor, é possível obter um prêmio de cerca de US$ 3 mil por tonelada sobre o produto extra-cota, segundo o mercado.

Mesmo diante da situação constrangedora, o governo decidiu abrir consulta formal para questionar a decisão da UE, embora não tenha muita expectativa de resolver o caso nesse nível de negociações. O Ministério da Agricultura analisa casos de outros países beneficiados pela cota para encontrar exceção à regra que permita a reinclusão da carne congelada.

A medida da UE tem atrapalhado a distribuição das cotas das empresas para o novo período de embarques, o ano-cota 2008/2009, que começou dia 1º de julho passado. O resultado é que o Brasil pode correr o risco de não conseguir cumprir novamente a Hilton. Há três meses, os frigoríficos aguardam uma decisão. Com medo de não atingir o volume permitido de 5 mil toneladas, o governo deve editar nesta semana um portaria com as cotas por empresa. Fontes da indústria afirmam que 500 toneladas da cota já poderiam ter sido embarcadas desde 1º de julho.

No ano-cota 2007/2008, que se encerrou em 30 de junho passado, os exportadores brasileiros utilizaram só 49,62% da cota, ou 2.481 toneladas, segundo o MDIC. Dos 27 exportadores, apenas 22 fecharam negócios. Nenhum deles usou 100% da cota. A razão foram as restrições que a UE impôs à carne bovina brasileira no começo de 2008.

Enquanto as empresas esperam a distribuição das cotas, os bastidores do caso expõem as divergências no setor. Exportadores culpam o Ministério da Agricultura pela exclusão, que alega ser responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento a administração da cota. O Valor apurou que, em seu favor, o MDIC afirma que a decisão da UE está embasada em uma correspondência da própria Agricultura.

"Não nos pronunciamos sobre a cota porque quem administra esse instrumento é o MDIC. Consideramos apenas as questões sanitárias", afirma o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Célio Porto. "Se houve descuido, foi de quem administra e de quem exporta". Ele assinou, ainda como chefe de gabinete do então ministro Roberto Rodrigues, a carta que teria servido de pretexto aos europeus para barrar a carne congelada da cota.

A reportagem procurou o MDIC para tratar do tema, mas a assessoria de comunicação informou, no início da noite de sexta-feira, que "não conseguiu posição do ministério". Luiz Carlos de Oliveira, diretor da Abiec (reúne os exportadores) disse que "a entidade já se manifestou junto ao MDIC, Agricultura e Itamaraty" e que os "exporta-dores aguardam definição sobre a distribuição das cotas".

Numa carta aos associados, no dia 5 de setembro, a Abiec diz ter sido surpreendida com "o novo regulamento europeu, que excluiu a NCM 02023000 referente à carne congelada". A entidade diz também que "o MDIC então protelou a distribuição e nos consultou sobre as consequências, e informamos que, embora a maioria fosse resfriada, há interesse de manter o código como alternativa". A carta, assinada por Oliveira, afirma que a Abiec foi informada de que o documento excluindo a carne congelada foi encaminhado a Bruxelas pelo Ministério da Agricultura.

A União Européia adota o mesmo procedimento de restringir as compras de carne bovina congelada com Argentina e Uruguai, mas importa livremente de indústrias da Austrália, Estados Unidos e Nova Zelândia, também beneficiados pela cota Hilton.

A exclusão da carne congelada não deve trazer muitos prejuízos aos exportadores, embora reduza a opções de embarques. Alguns frigoríficos com escala e período de produção mais restritos podem ter dificuldades para vender. "Praticamente 100% dos embarques são de carne refrigerada. Para aproveitar ao máximo a cota, exporta-se a resfriada que custa mais caro. Mas não significa um prejuízo grande, embora alguns possam ter dificuldades", explica Célio Porto.

Os europeus importam dois tipos de cortes muito específicos: pilares do diafragma, diafragma e outros cortes desossados, sobretudo de traseiro bovino. O Brasil deixará de exportar duas produtos em duas linhas tarifárias: carne bovina congelada e desossada (02.02.30.90) e miudezas congeladas desossadas (02.06.29.91).