Título: Crédito à construção vai a R$ 9 bi no ano
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2008, Finanças, p. C1

Crédito à construção vai a R$ 9 bi no ano

Nunca se concedeu tanto financiamento à produção no setor da construção civil. Desde o início do atual ciclo de crescimento, em 2006, as incorporadoras receberam mais de R$ 20 bilhões em liberações da caderneta de poupança, dentro do Sistema Financeiro da Habitação. Neste ano, até julho, o montante chega a R$ 9,2 bilhões, mesmo valor de todo ano passado.

Os bancos já admitem superar as metas do começo do ano e as perspectivas para os próximos anos são positivas. Somente a Caixa Econômica Federal tem protocolos de intenção com grandes construtoras para financiar outros R$ 36,5 bilhões até 2010, conta Teotonio Costa Resende, consultor da vice-presidente de governo da Caixa. "Poucas épocas tivemos uma liquidez tão grande com condições tão favoráveis".

As empresas, no entanto, começam a sofrer com uma ligeira alta dos juros e encontram certa dificuldade neste momento para dar início a novas obras, já que todo o dinheiro da poupança serve apenas para empreendimentos já iniciados e o mercado de capitais está fechado, afirma Antonio Barbosa, diretor do Banco Real.

Durante a fase de construção, os bancos financiam até 80% dos custos operacionais, o que representa entre 30% e 50% do faturamento total do empreendimento (VGV, valor geral de vendas). Com isso, o empresário precisa arcar com o custo da compra do terreno, do início da obra e com as despesas de marketing e vendas.

A maior parte das incorporadoras tem um grande banco de terrenos ("land bank"), mas está com o caixa reduzido para começar os empreendimentos. Os bancos exigem, para liberar a primeira parcela do financiamento, que uma parte importante das vendas tenha sido concluída e que a obra já tenha sido iniciada.

Além disso, as concessões seguem um cronograma baseado no estágio do projeto como forma de dar mais segurança tanta para a instituição quanto para o mutuário, avalia Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

França destaca ainda que esses recursos nem passam pela incorporadora, entrando direto no caixa da Sociedade de Propósito Específico (SPE) que administra a construção (espécie de empresa segregada da incorporadora exigida pelos bancos para diminuir os riscos da operação).

Assim, o empresário só apura o lucro no fim do ciclo, que dura em média de 24 a 36 meses. Com a entrega das chaves, ou o cliente quita o imóvel, ou o banco assume o financiamento da pessoa física, chamado no mercado de "repasse". Nessa hora, a empresa quita o débito da obra e o banco paga à incorporadora a diferença entre o que já foi destinado à construção e o valor da unidade.

Essa entrada de recursos já teve início. Como boa parte das unidades do atual ciclo de obras já começou a ser entregue, as incorporadoras já começaram a engordar os caixas. Desde o começo do ano até julho, os repasses já somam R$ 2 bilhões, mesmo valor de todo o ano passado.

Até o momento do repasse, portanto, as empresas não recebem recursos para dar início a novas obras. Para isso, os empresários precisam de outras fontes de recursos ou de capital próprio. Em 2006 e 2007, início do atual ciclo de expansão, o mercado de capitais foi o grande financiador. Os recursos foram usados para a compra de terreno (famoso "land bank") e para dar início a uma série de lançamentos.

Sem essa possibilidade desde o início da crise do "subprime", em meados de 2007, as companhias começam a ter problemas para tocar empreendimentos prometidos aos investidores.

Uma das saídas encontradas foram as fusões e as aquisições. Esse movimento de consolidação já era inclusive esperado pelos bancos e até visto com bons olhos pelas instituições financeiras. "Não vejo como um problema. É uma condição natural de um mercado em franca expansão e uma contrapartida às emissões de dívida que estão fechadas nesse momento. Não vejo como momento de preocupação, mas de adequação", disse o diretor do Banco Real.

Segundo ele, até mesmo uma redução nas projeções de entregas ("guidance") seria "saudável". "Sem o mercado de dívida, nada mais aceitável que sejam revisadas as projeções, dadas as novas condições de mercado. Claro que a empresa vai pagar um preço no valor da ação, mas todos os papeis estão pagando o preço".

Ademir Cossiello, diretor do Bradesco afirma que esse movimento é próprio do mercado. "É uma acomodação natural. A tendência é que as grandes empresas, que já são forte, se fortaleçam ainda mais. O que precisamos ter são empresas sólidas, que efetivamente entregue bons produtos com custos competitivos".

Além do financiamento da produção, os bancos também elevaram a parcela de capital de giro e de outros empréstimos para o setor. Somente entre os bancos Bradesco, Itaú, Unibanco e Banco do Brasil, o volume liberado para áreas como material de construção, imobiliário e construção civil avançou 76% nos últimos doze meses, até junho, de acordo com dados do balanço.

Com o mercado aquecido, novas instituições também iniciaram operações no segmento, como alguns bancos de médio porte, que atendem o "middle market", e os grandes, como o Banco do Brasil. O BB também deu início a operação própria para financiamento à produção em agosto.

"Somos um player novo com grande capacidade em um momento em que as grandes empresas estão precisando de recursos. Eles investiram pesado na aquisição de terreno e vão precisa de capital. Mesmo com os recursos dos IPOs, algumas delas estão demandando muito crédito", afirma Paulo Rogério Caffarelli, diretor novos negócios do banco.