Título: Crise pode afetar ciclo de investimento produtivo
Autor: Neumann, Denise; Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2008, Brasil, p. A4

Crise pode afetar ciclo de investimento produtivo

O atual ciclo de investimento produtivo da economia brasileira - que já dura 18 trimestres consecutivos e pode resultar em uma taxa de investimento de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 - pode ser afetado pela crise externa. O risco ainda é pequeno, mas existe, segundo professores e economistas que participaram, ontem, do 5º Fórum de Economia, organizado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV). Sérgio Zacchi/Valor Luiz Carlos Bresser-Pereira, da FGV: "Estamos fazendo o jogo do contente"

Os participantes apontaram alguns mecanismos pelos quais a crise pode chegar à economia real: a própria contenção de liquidez (que vai afetar o capital disponível para bancar os investimentos), a queda do preços das commodities (que tende a reduzir o lucro dos exportadores) e a volta do déficit em conta corrente (que terá impactos na taxa de câmbio e consequentemente na inflação e nos juros).

"Estamos fazendo o jogo do contente, mas talvez seja perigoso estarmos nesse jogo", advertiu o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, organizador do fórum, ao concluir o primeiro dia do ciclo de debates. A advertência de Bresser-Pereira não foi feita ao diagnóstico sobre o positivo ciclo de investimentos em andamento na economia brasileira e que já levará, este ano, a taxa de investimento a 19% do PIB - percentual antes esperado para meados de 2009. O jogo do contente foi uma referência aos riscos desprezados, como uma taxa de juro excessivamente alta, colaborando para a apreciação excessiva do câmbio e que recolocou o país na trajetória de um déficit externo nada desprezível.

O chefe da área de análise econômica do BNDES, Fernando Puga, não acredita que a crise externa pode tirar do país uma taxa de investimento equivalente a 21% do PIB. Ele elenca as razões do investimento e a capacidade de financiamento interno (seja pelo lucro retido pelas empresas nos últimos anos, seja pela capacidade do BNDES) para justificar sua avaliação de que os projetos produtivos ficarão imunes à crise financeira.

Os investimentos - projetados pelo BNDES em R$ 2,4 trilhões para o triênio 2008-10 - são determinados, explica Puga, pelas descobertas na área de petróleo e gás (antes mesmo do pré-sal), pela demanda externa da Ásia (sobretudo China), pelo deslocamento da base produtiva do Hemisfério Norte para o Sul (especialmente nas áreas siderúrgica e de papel e celulose), pelo mercado interno e também pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "Por ter essas razões, e não ser comandado pela demanda americana, por exemplo, ele será mantido", sustenta.

Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), lembra que várias empresas - e o próprio BNDES - desistiram de captações no mercado financeiro, interno ou externo, porque avaliaram que o momento não era mais propício. "Os investimentos programados até 2010 ainda não estão contratados e podem sim ser afetados", argumenta Almeida. Para ele, a redução da liquidez externa será fortemente sentida no mercado interno. Por isso ele defendeu o fortalecimento da poupança interna, via redução do gasto corrente do setor público e também pelo incentivo à previdência privada e do setor público. "Esses mecanismos serão importantes, inclusive, para termos recursos para bancar os investimentos na exploração do pré-sal", defende.

Rogério Mori, professor da EESP/FGV, afirma ter dúvidas sobre a causa para a expansão dos investimentos no país nos últimos cinco anos. "Tenho dúvidas se o Brasil realmente teve um crescimento estrutural ou se apenas surfou em um momento de grande liquidez de investimentos no mercado internacional", diz , observando que, nos últimos anos, o país foi beneficiado em grande parte pela elevação nos preços das commodities, principal grupo dentro da pauta de exportações. "Os fundos de investimento reduziram suas apostas no mercado de commodities, nas bolsas e nos mercados de títulos. Não é possível ainda saber para onde irão em 2009. Mas se houver um acirramento da crise internacional, a possibilidade de o Brasil não realizar esses investimentos em carteira cresce."

Para o economista e professor da EESP/FGV Márcio Holland, o crescimento econômico dos últimos anos leva muitos brasileiros a acreditar que o país "está fora do mundo". Ele afirma que há pelo menos cem anos o crescimento do PIB brasileiro acompanha a mesma tendência de expansão das economias dos Estados Unidos e dos países da zona do euro e que, no atual momento, será difícil que o Brasil siga com forte crescimento, alheio à desaceleração da economia mundial.

Para Holland, os títulos da dívida pública, utilizados como fonte de financiamento para investimento público, seguem com o mesmo grau de risco de antes e, em um período de crise, podem perder atratividade. A queda nos preços das commodities é outro fator externo que compromete diretamente a balança comercial brasileira. "Não houve mudança estrutural na economia brasileira ou no mercado financeiro que nos leve a concluir que estamos mesmo vivendo com um padrão de crescimento que nos permita crescer de forma isolada do mundo", afirma.

Régis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), acredita que a chance de o país voltar a ter uma crise no balanço de pagamentos "não é desprezível". "Não estou dizendo que ela vai acontecer, mas o risco existe", pondera. Para ele, o investimento equivalente a 19% do PIB para 2008 "já está dado". Mas para o futuro, os projetos produtivos podem ser afetados. "Um cenário de saída de recursos com déficit na balança comercial levará a uma rápida desvalorização do câmbio. Aí teremos impacto na inflação e, consequentemente, os juros vão subir. Com crescimento menor, o investimento será afetado. O empresário investe porque acha que as vendas vão crescer."