Título: Lucro passado pode bancar investimento, dizem empresários
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2008, Brasil, p. A3

Lucro passado pode bancar investimento, dizem empresários

Se para economistas a crise no mercado financeiro internacional indica uma tendência de retração das economias e exige cautela por parte de governos e setor privado, para alguns empresários brasileiros o cenário mantém oportunidades para crescer. Capitalizadas, empresas ainda apostam no financiamento com bancos brasileiros e no investimento dos lucros para elevar a produção e ganhar mercado no Brasil e no exterior. Anna Carolina Negri/Valor Para Benjamin Steinbruch, controlador da CSN, ainda há espaço para crescer e investir, mesmo com a crise externa

"Não podemos ser covardes e estamos sendo covardes", afirmou o controlador da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), Benjamin Steinbruch, conclamando empresários e governo federal a assumirem uma postura mais arrojada diante do cenário internacional durante o 5º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para Steinbruch, a crise internacional traz preocupações sobre a liquidez da empresa e dificulta o acesso aos investimentos. Mas, a despeito do que ocorre nos países desenvolvidos e do que aconteceu na história brasileira pregressa, a economia do país alcançou uma certa "blindagem" que permite ao setor privado manter o ritmo de crescimento. "Claro que não [os brasileiros] estamos isolados, temos que ser cautelosos. Mas não podemos ser covardes. O conservadorismo minimiza qualquer risco existente. Mas o que o governo está dizendo para a indústria com a política que adota é que devemos ficar sentados em cima do caixa esperando a crise passar", afirmou.

Ele criticou a postura do governo de cobrar do setor privado a manutenção do ritmo de investimentos ao mesmo tempo em que eleva a taxa de juros para combater uma "hiperinflação que não existe". A elevação da Selic, completou, encarece a tomada de financiamento no momento em que as indústrias do país têm dificuldades para obter crédito no exterior e recorrem aos bancos brasileiros, que estão em situação mais favorável. "O governo tinha que dar condições para as empresas manterem liquidez e crédito e promover ações para manter o consumo interno crescente, mas em vez disso está fazendo a atividade econômica encolher, quando poderia crescer por mais tempo", afirmou. Ele disse ainda que a empresa não vai alterar a programação do plano de expansão internacional.

Paulo Cunha, presidente do conselho de administração do Grupo Ultra, afirmou também estar dispostos a manter o seu cronograma de investimentos por acreditar que o Brasil ainda levará meses para sofrer os reflexos da crise financeira internacional. O executivo confirmou que existem grandes dificuldades para obtenção de crédito no mercado internacional, mas Ultra, como outros grupos brasileiros, encontra-se capitalizada e tem a possibilidade de reinvestir o lucro para crescer.

Cunha, no entanto, mostra-se satisfeito com a política econômica adotada. "Temos andado muito depressa e realmente precisamos crescer um pouco mais devagar para que seja sustentável", afirmou o executivo, observando que o Grupo Ultra saiu de um faturamento de R$ 5 bilhões em 2005 para R$ 25 bilhões neste ano - ritmo de crescimento que não poderá ser mantido nos próximos anos, disse.

Para os economistas que participaram do Fórum, a crise internacional exige cautela, mas ajustes na política econômica podem permitir que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresça nos próximos anos acima da média mundial. "As reservas internacionais permitem que o Brasil tenha um tempo mais alongado para fazer ajustes na política monetária", afirmou o economista Guilherme Dias. Essa adequação passa pelo aumento da poupança interna (PIB menos consumo das famílias e gastos do governo), obtida com melhora das exportações, o que depende dos preços internacionais e da paridade cambial. Eles também defendem a elevação dos investimentos, que pode ser facilitada com a redução da taxa de juros (para crédito via bancos), depreciação do real (que estimula exportações e pode garantir lucros maiores para reinvestimento) e redução dos gastos públicos.

Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da FGV, defendeu cortes nos gastos correntes do governo para elevar a poupança interna. Para o economista Airton Gustavo dos Santos, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), o aumento da poupança interna passa pela melhora na distribuição do gasto público. Ele observou que a expansão dos gastos públicos deve-se aos desembolsos com a Previdência Social e a reforma pode contribuir de forma decisiva para a redução dos gastos governamentais.

Já o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira afirmou que o fortalecimento da balança comercial é fundamental para fazer crescer a poupança interna. Ele defendeu uma postura mais arrojada do governo, com a promoção de ações que estimulem os investimentos e o consumo. "A sociedade brasileira não está convencida de que pode mudar porque continua refém da auto-inflação. Às vezes parece que só existem duas opções, ou se mantém a política econômica ou se caminha para a auto-inflação. E não é assim", concluiu.