Título: Consumidores dominam a Justiça
Autor: Freitas, Jorge
Fonte: Correio Braziliense, 12/03/2011, Economia, p. 8

As ações movidas pelos consumidores já são maioria nos tribunais brasileiros. De cada 100 processos em análise, 30 se referem a queixas contra produtos ou serviços, segundo pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) ¿ as trabalhistas são 25%. Tal predomínio é resultado do amadurecimento dos brasileiros, fortalecidos na disputa contra o comércio e a indústria por meio do Código de Defesa do Consumidor, que, em setembro próximo, completará 21 anos, atingindo a maioridade.

¿Esse quadro reflete a conquista da cidadania¿, disse a coordenadora da pesquisa, Luciana Gross Cunha. Ela ressaltou que, quando se analisa todos os processos em tramitação no Judiciário, constata-se que quase a metade, precisamente 46%, dos brasileiros já moveu algum tipo de demanda. Sobre o predomínio de ações na área de defesa do consumidor, Luciana observou que foi feito um trabalho didático que popularizou o código editado em 1990.

Outro ponto relevante que motiva os processos dos consumidores é a maior agilidade nas decisões, pois acaba predominando o sistema de conciliação, já que os valores em discussão são baixos. Para a pesquisadora, a tendência é de que a procura pela Justiça seja ainda maior, tal o grau de satisfação observado entre os usuários: 89%.

¿Nos próximos anos, a população terá mais conhecimentos e poderá acionar ainda mais o Judiciário, usando o mecanismo da conciliação que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem trabalhando de forma muito eficiente, como alternativa legítima para dirimir os conflitos da sociedade¿, afirmou.

Apesar de todos os avanços, o ministro Ives Gandra Martins, integrante do CNJ, critica o excesso de demandas pelo Judiciário. A seu ver, há um excesso de escolas de direito no Brasil, sustentando uma ¿república de bacharéis¿ que em nada contribui para o processo de democratização da Justiça. O que se vê, na verdade, são profissionais com má formação, que nem sequer conseguem aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, quando passam nas provas, recorrem à Justiça por questões que poderiam ser equacionadas por meio da conciliação. Ou seja, protelam as decisões e encarecem os procedimentos.

¿O Brasil tem 2,5 mil escolas de direito. É muito mais do que o número de similares existentes no restante do mundo. Talvez, por isso, o Brasil tenha um quadro de litigiosidade muito grande¿, disse Gandra. Pelas suas contas, tramitam, atualmente, na Justiça brasileira cerca de 64 milhões de ações judiciais para 16 mil juízes. ¿Alguma coisa está errada. Portanto, devemos estimular mecanismos como a conciliação não judicial¿, destacou.

Mas Gandra admite: a popularização do Código de Defesa do Consumidor provocou uma importante revolução, levando as pessoas a buscarem os Juizados Especiais, nos quais cobram indenizações por serviços mal prestados e produtos de má qualidade, principalmente os oferecidos por empresas de telefonia e pelo comércio de móveis e de eletrodomésticos. ¿São etapas da evolução do acesso à Justiça. Primeiro, foram criadas as Defensorias Públicas. Depois, vieram as Ações Coletivas. Agora, há os Juizados de Pequenas Causas e as Comissões de Conciliação¿, disse.

O advogado Anderson Santana, no entanto, critica as decisões dos Juizados Especiais, que julgam processos de até R$ 20 mil. ¿Há muitas decisões infelizes, superficiais, carentes de análise meritória e sujeitas a prorrogações, levando as causas para a segunda instância. Isso resulta em prejuízos às partes mais fracas. Recentemente, acompanhei três decisões absurdas que não respeitaram a legislação e que legitimaram casos de irregularidade¿, garantiu.

Pobres ainda sofrem A falta de informação e de recursos financeiros prejudica aqueles que precisam usar a Justiça em busca de seus direitos. ¿Como escreveu o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), terá a melhor defesa quem dispuser de dinheiro para pagar bons advogados¿, observou a advogada Fernanda Matielo. ¿A população mais carente tem acesso à Justiça formal, mas falta a parte material. Há necessidade de acesso mais efetivo, porque os Juizados Especiais dão vitória nas causas de valores pequenos, mas, se for necessário ir a outras instâncias, o pobre fica desamparado. As melhores defesas são daqueles que podem pagar¿, afirmou.

Radiografia das brigas Entrevistados que declararam já ter entrado com algum tipo de processo ou ação judicial

Por estado / Em % Distrito Federal / 58

Rio Grande do Sul / 58

Rio de Janeiro / 54

São Paulo / 49

Minas Gerais / 40

Bahia / 40

Pernambuco / 34

Por sexo / Em % Masculino / 48

Feminino / 45

Por faixa etária / Em % 18 a 34 anos / 49

35 a 59 anos / 48

60 anos ou mais / 36

Por renda / Em % Até R$ 1.020 / 36

R$ 1.020,01 a R$ 2.040 / 43

R$ 2.040,01 a R$ 6.120 / 49

R$ 6.120,01 ou mais / 57

Nível de escolaridade / Em % Baixa / 45

Média / 46

Alta / 61

Por motivo / Em % Consumidor / 30

Trabalho / 25

Família / 20

Criminal / 5

Previdência Social / 1

Trânsito / 1

Outros / 18

Fonte: Escola de Direito da FGV-SP