Título: Plano Colômbia espalha produção de coca
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2005, Especial, p. A10

Vistos de certo ângulo, estes são bons tempos para a guerra dos EUA contra as drogas, pelo menos no que diz respeito à cocaína. Tradicionalmente, cerca de 70% do pó branco vem da Colômbia. Os US$ 3 bilhões em ajuda que os EUA gastaram sob o Plano Colômbia nesse país desde 2000 produziram o que autoridades americanas exibem como sendo números espetaculares - especialmente depois que Álvaro Uribe tornou-se presidente, dois anos mais tarde - e permitiram a erradicação em larga escala de culturas da droga, com o emprego de aviões pulverizadores. Segundo o mais recente levantamento realizado pela ONU, em 2003, a área das terras dedicadas ao cultivo da coca na Colômbia havia diminuído para 86 mil hectares, contra um pico de 163 mil hectares em 2000. Em 2004, empreiteiras contratadas pelos EUA pulverizaram agrotóxicos sobre 136 mil hectares de coca, uma dose similar à aplicada no ano anterior. Isso aponta para um declínio adicional na produção de cocaína no ano passado, segundo John Walters, que chefia o Birô de Política Nacional de Controle de Drogas dos EUA (ONDCP, na sigla em inglês). Em 2004, quase 150 toneladas de cocaína foram apreendidas no país, um terço a mais que em 2003, ao mesmo tempo em que foram destruídos 1.900 laboratórios produtores de cocaína, ou seja, 40% a mais do que em 2002. Foto: Associated Press

Membros das forças colombianas de combate ao narcotráfico, que recebem ajuda dos EUA, explodem um laboratório de refino de cocaína no sul do país Uribe extraditou 166 colombianos para responderem a acusações relacionadas com o tráfico - e provavelmente para uma vida atrás das grades - nos EUA. Entre eles estão Gilberto Rodríguez Orejuela, que como chefe do cartel de drogas de Cali comandou o tráfico uma década atrás. Autoridades americanas dizem ter conseguido reduzir as receitas com tráfico de drogas dos guerrilheiros das Farc e de seus adversários de direita, a AUC. "Estamos avançando numa direção. Os bandidos estão perdendo e o povo colombiano está vencendo", diz Walters. As pessoas que não vêm desse modo "querem que esse esforço fracasse". Entretanto, para muitas pessoas em toda a América Latina e além dela, o tráfico de drogas andino parece tão eficaz e perigoso como sempre. A prova mais reveladora disso é o preço da cocaína. De acordo com a Washington Office on Latin America, uma organização não governamental, as estatísticas do próprio ONDCP, fornecidas ao Congresso, porém não ainda ao público, mostram que nos EUA um grama de cocaína no atacado era vendida por US$ 38 em 2003, portanto uma queda em comparação com US$ 48 em 2000, e com US$ 100 em 1986, sem nenhuma perda de pureza. No Reino Unido, a cocaína está mais barata do que nunca: em 2003, o pó era vendido no varejo por cerca de 46 libras por grama (US$ 75), numa queda em relação a 57 libras dez anos atrás, segundo a Independent Drug Monitoring Unit, uma empresa de consultoria. Os preços caíram apesar do crescimento da demanda mundial: o consumo está de modo geral inalterado na América do Norte, segundo a ONU, mas crescendo na Europa. Está crescendo também no Brasil, no México e na América Central, principalmente porque as quadrilhas de contrabandistas estão sendo pagas em produto. Qual é a explicação? Estoques maiores do que os previstos ao longo da cadeia de suprimento implicam na existência de uma defasagem entre uma queda na produção e seu efeito sobre os preços, dizem autoridades americanas. Apenas espere para ver o efeito do Plano Colômbia, dizem eles. Mas outros observadores argumentam os grandes números expressos em hectares pulverizados não contam a história inteira. Uma explicação alternativa é que a coca se alastrou para novas áreas, algumas não detectadas, e que as colheitas e a produtividade estão em alta. Segundo a ONU, o Plano Colômbia produziu uma moderada expulsão da coca para outros países: em 2003, o cultivo tinha registrado ligeiro crescimento na Bolívia, porém se mantinha estável no Peru. Há outros levantamentos dizendo que essa produção vem crescendo bem mais. Mesmo assim, o uso do solo com a coca nesses dois países estava muito abaixo de seu pico de uma década atrás. A ONU calculou que a produção potencial total de cocaína andina era de 655 toneladas em 2003 - uma grande queda em relação a um pico de 950 toneladas em 1996. Entretanto, tanto no Peru como na Bolívia, as forças de combate à drogas agora defrontam-se com novas e preocupantes tendências. No Peru, segundo maior produtor, a coca está sendo levada para novas áreas, como San Gabán, nas proximidades da fronteira com a Bolívia, e para Putamayo, cruzando o rio, para quem vem da Colômbia. Somadas, essas áreas podem responder por até 10 mil hectares de novas plantações de coca. No mercado local, os preços das folhas de coca estão em alta. Na distorcida equação econômica de um negócio ilegal, esse é um sinal certeiro de que a repressão não está conseguindo conter a demanda efetiva. Em dezembro de 2004, o preço de um quilo de folhas de coca no mercado ilegal tinha subido de apenas US$ 0,50 para US$ 5, segundo a Devida, agência anti-drogas do governo peruano. Isso atrairá agricultores para o plantio de mais coca, diz Nils Ericsson, diretor da Devida. Aos preços atuais, um hectare de coca produz uma receita anual de até US$ 7,5 mil, em comparação com US$ 600 obtidos com café ou US$ 1 mil com cacau. O setor produtor de cocaína peruano está se integrando verticalmente. Uma década atrás, pequenos aviões carregavam pasta de coca semi-processada para ser refinada na Colômbia. Agora, a produção peruana de cocaína refinada registra um crescimento substancial. No ano passado, pela primeira vez, a polícia apreendeu mais pó do que pasta. A repressão destruiu mais de 1,7 mil laboratórios de cocaína nos últimos dois anos. A prática do refino no Peru teve início por pressões das quadrilhas de traficantes de drogas mexicanos, as quais, segundo promotores, receberam ajuda de Vladimiro Montesinos, ex-chefe do serviço de inteligência peruano, hoje na cadeia. Para as quadrilhas mexicanas, comprar cocaína pronta é mais barato e envolve menos riscos, diz Fernando Rospigliosi, um ex-ministro do Interior. Grande parte do produto refinado está agora indo diretamente para o México ou Espanha, como carga embarcada em navios, escondida em meio à expansão acelerada das exportações peruanas. Em novembro, 700 quilos de cocaína foram encontrados dentro de um gigantesco polvo congelado. Outros carregamentos foram encontrados junto a tábuas de madeira, cenouras, guano e até mesmo em velas. O governo peruano diz que deseja erradicar totalmente o plantio da coca - com exceção de 10 mil hectares, reservados para uso tradicional - até o fim de 2006. Mas há sinais de que o comércio da droga está novamente disseminando seu rastro de corrupção entre as forças de segurança. Segundo o depoimento de alguns dos envolvidos no embarque do polvo cheio de coca, que foram presos, o negócio foi planejado num clube de oficiais do Exército e as drogas foram acondicionadas numa base naval nas imediações do porto de Paita (norte do país). O Peru não permite a fumigação de substâncias químicas sobre as plantações de coca. Em vez disso, os peruanos combinaram a erradicação com esquemas para incentivar agricultores a arrancar as plantas de coca e adotar culturas alternativas legais. Esse modelo sofreu um revés no ano passado, quando revoltados plantadores de coca expulsaram agrônomos da ONU de Monzón, um dos principais vales de plantio da coca. A proposta de orçamento dos EUA para o ano que vem inclui um corte da ajuda para "desenvolvimento alternativo" no Peru. Com isso, mais resultados passarão a ser exigidos por meio de erradicação à força - um problema, para um governo fraco e impopular. A fragilidade política complicou a guerra às drogas também na Bolívia. Uma agressiva campanha de erradicação manual apoiada pelos EUA no fim da década de 90 liquidou a maior parte da coca ilegal no país. Mas isso contribuiu para um desaquecimento na economia e em descontentamento, que culminaram na derrubada de Gonzalo Sánchez de Lozada, um presidente pró-americano, em 2003. A partir de então, os EUA adotaram um abordagem mais branda. Em outubro, Carlos Mesa, o novo presidente, firmou um acordo com o plantadores de coca em Chapare, permitindo, pela primeira vez, que eles continuem cultivando 3,2 mil hectares of coca legalmente, em troca da erradicação do restante. Governos sucessivos recusaram-se a permitir a erradicação em Yungas, a principal área de cultivo legal, onde se diz que o plantio ilegal de coca se alastra. Curiosamente, o Equador nunca cultivou muita coca. Mas tornou-se um pólo de irradiação de transportes e serviços para a indústria da droga. Desde que adotou o dólar como sua moeda, em 2000, o Equador tornou-se ainda mais conveniente para lavagem dos lucros com a droga (embora a maior parte dessa atividade continue acontecendo nos EUA e na Europa). Estima-se, hoje, que cerca de um terço da cocaína colombiana é exportada através do Equador, principalmente pelo porto de Guayaquil. Apreensões de drogas em navios partindo de portos equatorianos caíram de 12 toneladas em 2003 para apenas 4 toneladas no ano passado. Ninguém acredita que isso seja porque a exportação tenha diminuído. Também o México está sentindo como nunca os efeitos do tráfico de drogas. Um surto na violência relacionada com as drogas ao longo de sua fronteira setentrional com os EUA incluiu o seqüestro e assassinato de diversos cidadãos americanos. Isso levou o departamento de Estado dos EUA a, no mês passado, divulgar um alerta sobre viagens ao México. "Exagero", disse o governo mexicano, que recentemente enviou várias centenas de soldados para o Estado fronteiriço de Tamaulipas para tentar restabelecer a confiança. Entre as causas da violência há guerras por controle de território. Há aproximadamente uma década, três ou quatro grandes grupos de contrabandistas mexicanos passaram a ser parceiros em igualdade de condições com colombianos na exploração da rota de suprimento ao oeste dos EUA. O governo do presidente Vicente Fox fez esforços muito maiores do que seus antecessores para atacar esses grupos, limpar as forças de segurança e colaborar com as agências americanas de repressão às drogas. Diversos notórios barões da droga, como Benjamín Arellano Félix, foram postos na prisão. Uma conseqüência disso é a transferência dos negócios com as drogas e de seus grupos para as cadeias. "Advogados" transmitem ordens emanadas de chefões encarcerados. Em janeiro, o Exército tomou uma cadeia de segurança máxima perto da Cidade do México, depois que o assassinato do irmão de um comandante do tráfico fugitivo desencadeou um motim. De lá para cá, o governo redistribuiu diversos detentos para outras cadeias. Seis carcereiros foram mortos em outra cadeia, esta em Matamoros, em Tamaulipas. Assim como na Colômbia uma década atrás, o enfraquecimento dos grandes grupos de traficantes no México resultou apenas em sua substituição por um grande número de organizações menores, mais ágeis e mais difíceis de detectar. Como sempre, o tráfico de drogas parece estar um passo adiante de seus perseguidores. Tradução de Sérgio Blum