Título: Analistas vêem Brasil forte, mas apontam riscos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2008, Finanças, p. C3

O Brasil está mais preparado para agüentar as conseqüências do recrudescimento da crise internacional, mas a situação não é tão rósea quanto à traçada pelo ministro Guido Mantega, apontaram vários economistas presentes ao 5º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Se uma crise no balanço de pagamentos parece remota, há riscos de que os efeitos de uma eventual de desvalorização mais forte do câmbio e de uma desaceleração mais acentuada da economia global possam atrapalhar em alguma medida o bom momento vivido pelo Brasil. Marisa Cauduro / Valor Nakano: risco de crise no balanço de pagamentos é pequeno no curto prazo

Para o ex-secretário da Fazenda paulista Yoshiaki Nakano, a crise iniciada no mercado imobiliário americano já se tornou sistêmica. "É a maior bolha de crédito da história." Diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESO) da FGV, Nakano vê uma violenta contração de crédito, que provocará recessão nos EUA, na Europa e no Japão.

Para responder se a turbulência externa pode levar a uma nova crise no balanço de pagamentos, ele fez uma comparação de vários indicadores da economia brasileira em 1998 e em 2008, Segundo Nakano, os números atuais indicam um país muito mais robusto, como fica claro na relação entre as reservas e a dívida externa que vence em até um ano. Em 1998, as reservas equivaliam a apenas meia vez o endividamento externo de curto prazo. Hoje, equivalem a 326,5 vezes.

Um indicador, porém, preocupa um pouco Nakano: a relação entre as reservas e o chamado M2, que reúne os depósitos à vista, os depósitos a prazo e o papel-moeda em poder do público. Segundo ele, esses são os recursos que, numa crise, poderiam ser rapidamente transformados em dólares. Em 1998, as reservas eram 25% do M2; hoje, são 35%. Apesar de mais alto, o percentual é visto como relativamente baixo por Nakano. Isso não impede, porém, que ele considere pequeno o risco de uma crise de balanço de pagamentos no curto prazo. "No entanto, se o déficit em conta corrente continuar e os preços de commodities seguirem em queda, há grande possibilidade de crise no médio prazo."

O consultor do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, mostrou mais preocupação quanto à crise e seus efeitos sobre o país. Para ele, talvez já haja um risco mais premente de uma "deflação aguda" do que de uma "inflação aguda" na economia global, observando a recente queda expressiva das commodities. Almeida também vê com reservas as comemorações em relação ao crescimento robusto da economia no segundo semestre. "Hoje, isso pode ser apenas a imagem do retrovisor." Ele destacou ainda a importância de o governo "defender e proteger" o sistema de crédito, reforçando a capacidade de financiamento do BNDES, num momento em que as empresas têm dificuldades para obter empréstimos no mercado internacional.

Coordenador do Fórum de Economia da FGV, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira não está tão otimista quanto Mantega, mas se mostrou menos cauteloso que Almeida. Para ele, o Brasil não dispõe de uma "couraça" para se proteger da crise, mas as reservas de mais de US$ 200 bilhões são um trunfo importante. Bresser acredita que a desvalorização do câmbio ocorrida nas últimas semanas é inclusive bem vinda, por corrigir parte da excessiva apreciação do real. Para ele, o ideal seria que o dólar estivesse em R$ 2,30 a R$ 2,50.

A economista Eliana Cardoso, da FGV, vê com mais preocupação a desvalorização do câmbio. Segundo ela, a alta das commodities ocorrida a partir de 2003 melhorou significativamente os termos de troca (diferença entre preços de exportações e importações), o que, combinado à queda do risco país, levou à valorização do câmbio, à queda dos juros, à redução da dívida pública e ao recuo da inflação com a economia em crescimento. "Agora, nós estamos correndo o risco de um fenômeno contrário", advertiu ela. Uma eventual alta súbita do dólar pode provocar o aumento da inflação, levando o Banco Central (BC) a elevar os juros. Isso causaria uma desaceleração da economia e teria um impacto negativo sobre a dívida pública. "A todos aqueles que estavam torcendo pela desvalorização do câmbio, é bom lembrar a frase: Cuidado com o que desejas", afirmou ela. (SL)