Título: O preço da Petrobras
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2008, Eu, p. D1
Crise internacional, queda do preço do petróleo, alta do dólar. Isso sem falar na discussão política sobre as imensas reservas do pré-sal. Inúmeras são as variáveis que afetam o desempenho da Petrobras, maior companhia aberta brasileira. Tentar traçar uma tendência para o preço da ação não é, portanto, tarefa fácil. Desde a semana passada, quando a tensão global se acentuou, assim como a baixa nas commodities, a companhia perdeu nada menos do que R$ 34,5 bilhões em valor de mercado, passando a R$ 311 bilhões. Tampouco é simples, em meio a esse turbilhão, definir a tendência para os resultados da estatal.
É voz corrente entre os especialistas que as ações da estatal estão descontadas na Bovespa. As cotações estão bem distantes das máximas alcançadas em maio, de R$ 52,51 para as preferenciais (sem direito a voto) e R$ 62,30 para as ordinárias (com direito a voto). Fecharam ontem na praça paulista valendo R$ 31,30 e R$ 38,49, respectivamente. O mesmo vale para o petróleo. O barril chegou a valer mais de US$ 140 e agora ronda a casa dos US$ 90.
Mas atribuir um preço ao negócio depende de variáveis cujas tendências são praticamente imponderáveis neste momento. Até mesmo os especialistas têm grandes dúvidas. Para se ter uma idéia, em maio, havia analistas que projetavam que as ações poderiam ultrapassar R$ 100 na Bovespa e muitos acreditavam em valores maiores que R$ 80. Mas hoje é possível encontrar preços-alvo abaixo de R$ 50,00 e diversos na faixa de R$ 60,00.
"É certo que, no longo prazo, o resultado da empresa reflete o preço internacional do petróleo", afirmou Mônica Araújo, chefe de análise da Ativa Corretora. A avaliação histórica dos números mostra forte correlação da receita e do lucro da estatal com o valor do barril.
Porém, a própria especialista da Ativa pondera que é difícil saber o que está, neste momento, pesando mais sobre o desempenho das ações - se o comportamento do preço do barril de petróleo ou se as tensões no mercado financeiro. Os papéis da Petrobras estão entre os ativos mais líquidos dos países emergentes e espelham o pânico dos investidores diante da crise e as pressões vendedoras para honrar resgates de fundos de ações.
O que torna difícil projetar o resultado da estatal para o terceiro e, especialmente, para o quarto trimestre é a combinação de efeitos do petróleo e do câmbio. Gilberto Pereira, da BES Securities, explica que, no curto prazo, a queda no valor do barril pode até mesmo permitir uma recuperação de margem da companhia.
Cerca de metade da receita da estatal vem da venda de gasolina, diesel e gás no mercado interno, que não acompanham as oscilações internacionais. São preços controlados pelo governo que refletem a tendência externa, mas não têm a mesma velocidade de ajuste. Já os custos da companhia sofrem efeito do preço do petróleo de maneira imediata (a empresa é também importadora de óleo). Se o custo cair e o preço dos produtos vendidos não for imediatamente afetado pelas cotações internacionais, a margem tende a subir no curto prazo.
A composição desse raciocínio, porém, depende da outra variável: o dólar. Para que a essa tendência se confirme, é preciso que a alta da moeda americana não ocorra em intensidade superior à queda do petróleo. Caso contrário, a companhia pode sofrer com as importações.
Eduardo Roche, analista do Banco Modal, destaca que essa combinação de fatores - preços regulados e efeito cambial - tornam o balanço da Petrobras difícil de ser comparado com as pares internacionais.
O que a perda do petróleo - assim como das demais commodities - reflete é o receio de que a demanda mundial não se mantenha aquecida, diante das discussões de desaceleração do crescimento nos emergentes e ainda as fortes preocupações com a economia dos Estados Unidos e Europa. Já a valorização do dólar é fruto da aversão ao risco dos investidores, que buscam segurança nos títulos do tesouro americano. No ano, a moeda americana acumula alta de 3,9% frente ao real, cotada a R$ 1, 84.
Para Luiz Otávio Broad, da Ágora Corretora, no atual patamar de preço de petróleo e de câmbio, o efeito sobre o balanço da Petrobras é praticamente nulo.
No longo prazo, a perda de valor do petróleo é ruim para a Petrobras, assim como para as demais empresas de petróleo do mundo. "A empresa vai reconhecer vendas e estoques a preços menores. Do mesmo jeito que o valor alto se refletiu em resultados mais fortes no passado, a queda vai aparecer nos números do futuro", afirmou Ricardo Tadeu Martins, da Planner Corretora.
Embora parte dos produtos (gasolina, diesel e gás) da companhia tenha os preços regulados pelo Estado, o governo mantém uma correlação com o cenário internacional, no médio prazo. Caso o petróleo se consolide em níveis mais baixos, deverá haver uma redução nos preços dos combustíveis, o que afetará a receita da companhia, bem como o lucro.
Quando o barril estava perto de US$ 30, no primeiro trimestre de 2004, a Petrobras teve receita líquida de US$ 8 bilhões e lucro de US$ 1,4 bilhão. No segundo trimestre deste ano, com o petróleo valendo pouco mais de US$ 140, a receita líquida da estatal alcançou US$ 34,3 bilhões e o lucro somou US$ 5,5 bilhões.
O atual valor de mercado da Petrobras, segundo comentários de mercado, reflete um cenário em que o barril de petróleo vale US$ 80 e desconsidera o potencial de exploração das reservas do pré-sal. Entre os analistas, porém, não há consenso sobre o futuro da commodity - que depende das perspectivas para a economia global. Porém, não se vêem apostas de que o óleo vá abaixo de US$ 70.
Martins, da Planner, por exemplo, acredita que o petróleo voltará para a casa dos US$ 100 devido ao elevado custo de exploração das potenciais reservas no mundo. "O petróleo do futuro está em águas profundas e ultra-profundas. Para extrair esse óleo, são necessários investimentos altíssimos." Já a especialista da Ativa Corretora, em função da expectativa de uma menor atividade global, aposta em US$ 80 para o barril.
Embora não haja expectativa de que a correção no petróleo seja muito forte - e que o óleo caia a metade, por exemplo - a preocupação maior deve-se à viabilidade da exploração das reservas dos campos do pré-sal.
A estatal e o governo ainda estudam os detalhes para a exploração desse potencial de reservas. Até o momento só se sabe que será significativamente mais caro do que o custo atual e que demandará quantias vultosas de investimentos. Os números que circulam no mercado - para explorar o potencial que pode estar entre 70 bilhões a 100 bilhões no pré-sal - variam de US$ 600 bilhões até mais de US$ 1 trilhão. Há quem diga que abaixo de US$ 70 por barril, a viabilidade da empreitada diminui substancialmente.
Além do custo ficar mais alto e a margem menor, esse cenário pode prejudicar o apetite daqueles que fornecerão o crédito para os investimentos, especialmente se a situação de baixa liquidez no mercado internacional persistir.