Título: Maior concorrência e expansão da oferta podem baratear o crédito
Autor: Maria Christina Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2005, Finanças, p. C1

O que um lago com carpas no jardim de um banco tem a ver com a taxa do seu cheque especial? Muita coisa para os professores Alexandre Assaf Neto e Nelson Carvalho, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), da Faculdade de Economia e Administração da USP, que acabam de concluir estudo sobre o spread bancário. O estudo foi encomendo pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), preocupada em esclarecer que o spread bancário não é totalmente embolsado como lucro pelos bancos. Por isso, quis que especialistas em contabilidade analisassem a questão. A nova abordagem do spread, avaliado do ponto de vista contábil e não econométrico como os estudos mais conhecidos até agora realizados, acaba chegando a uma conclusão semelhante: o peso elevado das despesas administrativas no custo do crédito. O caminho para uma solução passa pelo aumento do volume de crédito, que diluiria os custos, e a maior concorrência. Despesas claramente identificáveis como inadimplência, tributos e compulsórios e algumas indiretas, relacionadas com a administração como controles, suporte jurídico, pessoal e até com publicidade consomem quase 90% do spread. O lucro efetivo dos bancos com as operações de crédito chega a ser cerca 10% do que se convencionou chamar de spread. Para chegar ao quanto fica efetivamente com os bancos, os professores mergulharam nos balanços e relatórios contábeis de nove instituições selecionadas, em um trabalho que começou no segundo semestre de 2003 e terminou no final do ano passado. Fez parte do trabalho também a entrevista com os controladores dos bancos selecionados. Em uma dessas entrevistas, enquanto esperava ser atendido, Carvalho avistou do 10º andar do banco, uma carpa nadando no lago do jardim de entrada. "Qual o custo da carpa", perguntou ele a um executivo surpreso. "Os cuidados com a carpa naturalmente influenciam os custos do banco", explicou. A carpa acaba custando pouco perto do batalhão de advogados que os bancos precisam manter para suas pendências jurídicas ou das equipes de manutenção das redes de agência imprescindíveis em uma operação de varejo. Com os dados reunidos, os professores Carvalho e Assaf Neto quantificaram inicialmente o que chamam de spread bruto, a diferença entre o custo de captação de recursos e a taxa de crédito - definição mais comum de spread. Partindo daí, retiraram os custos diretos relacionados ao crédito, como perdas com inadimplência e impostos que incidem nas operações e cujos pagamentos são de responsabilidade do banco, como PIS, Cofins e IOF, chegando ao que chamam de spread direto. O último passo foi excluir as despesas indiretas, em geral de caráter administrativo, para então chegar ao resultado efetivamente abocanhado pelo banco. Partindo de uma captação de R$ 100 que custou R$ 37,88 em juros pagos ao investidor, os professores calcularam em R$ 62,12 o spread bruto obtido pelo banco no crédito, considerando aí uma cesta de seis produtos de crédito para pessoas físicas, inclusive crédito rural, empréstimo de veículos e consignado; e seis de pessoas jurídicas, como repasse do BNDES , capital de giro e ACC. Depois de pagar as despesas diretas, o banco ficou com R$ 38,29; e depois das indiretas, com R$ 6,79. Analisando de outra forma, os professores concluíram que o spread bruto obtido nas operações de crédito dos nove bancos da amostra era de 17% em média, entre linhas para pessoas físicas e jurídicas. Excluindo as despesas diretas, o spread direto cai para 10,48%; e tirando as indiretas, o resultado apurado pelo banco despenca para 1,86%. O lucro do banco é menor, de 0,40%, consideradas apenas as operações com empresas, que têm maior poder de barganha e operam volumes maiores, explicou Carvalho. E é maior, de 3,98% nas operações com pessoas físicas. A Febraban não autorizou a divulgação da lista de bancos da amostra. Apenas esclareceu que inclui dois bancos públicos, dois privados estrangeiros, três privados nacionais de grande porte e dois de pequeno porte. Informou ainda que respondem cerca de 70% do crédito do sistema bancário. Um especialista que teve acesso ao estudo disse que incluía tanto o Banco do Brasil quanto a Caixa Econômica Federal, o que pode ter carregado nos custos administrativos, notadamente mais pesados nessas duas instituições. Um mérito do estudo da Fipecafi em comparação com outros já elaborados foi ter incluído entre as operações avaliadas as de crédito direcionamento, que têm juros menores. Isso pode explicar porque o spread bruto médio da amostra analisada ficou em 17% em comparação com o ganho do banco de 27,56%, chamado de "resíduo", no famoso estudo "A decomposição do spread bancário no Brasil", dos pesquisadores do Banco Central (BC), Ana Carla Abrão Costa e Márcio I. Nakane. Mesmo com uma abordagem e amostra diferentes (modelos econométricos e 17 bancos), Ana Carla e Nakane chegaram a grandezas semelhantes. De acordo com dados de dezembro de 2003, divulgado em seminário do BC no final do ano passado, o custo administrativo tem peso de 26,37% no spread, quase o mesmo do resíduo de 27,56% do banco. A cunha tributária fica com 20,81% e a inadimplência, com 19,98%.