Título: Planos de Vida
Autor: Catherine Vieira e Flavia Lima
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2005, EU &, p. D1

Se a notícia do aumento da expectativa de vida do brasileiro é animadora significa também que quem quiser uma boa qualidade de vida durante os anos de "sombra e água fresca" extras que ganhou terá de poupar ainda mais durante os anos na ativa. É justamente para saber quanto será necessário acumular para respirar tranqüilo lá na frente que os especialistas recorrem às chamadas tábuas atuariais, ou tábuas de mortalidade. Tábua atuarial? Apesar de a expressão parecer estranha, todos os investidores que têm um plano de previdência aberto (PGBL e VGBLs) ou aderiram a um plano fechado (fundo de pensão) deveriam ficar mais atentos a ela. A tábua tem um conjunto de premissas que será uma das principais ferramentas para determinar o risco de o fundo não conseguir honrar todos os pagamentos de aposentadoria que precisa fazer no futuro. E cada fundo pode usar uma tábua diferente. O assunto ganhou notoriedade nas últimas semanas, quando duas das maiores fundações - a Petros (da Petrobras) e a Funcef (da Caixa Econômica Federal) - assumiram que precisarão mudar as tábuas atuariais que adotavam. O motivo é justamente a maior expectativa de vida de seus funcionários. O presidente da Petros, Wagner Pinheiro, explica que o modelo usado previa a ocorrência de mais mortes de aposentados do que a média de 380 que acontece hoje, por ano, no plano. Ou seja, em algum momento o fundo teria de pagar mais benefícios do que vem pagando. O descasamento resultaria um déficit de R$ 8 bilhões. Por conta disso, a Petros decidiu adotar a tábua mais conservadora do mercado, a AT-2000, que prevê menos mortes por ano. O problema é que, ao adotar parâmetros mais conservadores, é preciso elevar também a contribuição dos participantes para manter o mesmo valor dos benefícios. A Petros e a Funcef sofreram com este entrave por ainda terem os chamados planos de benefício definido (BD), que asseguram o quanto será pago ao participante durante a aposentadoria. Nos últimos anos, a tendência foi a de encerrar os planos deste tipo e passar a oferecer apenas os chamados planos de contribuição definida (CD), que reduzem o risco global da carteira, pois estabelecem o benefício de acordo com os valores aplicados. Felizmente, quem optou pelos fundos abertos, do tipo PGBL e VGBL, têm menos motivos para preocupação. Eles já nasceram como planos de contribuição definida e a maioria das seguradoras adota a tábua mais conservadora. A idéia de dar atenção à tábua atuarial no momento de aplicar em previdência pode parecer árdua ao investidor. "Mas é a tábua que oferece o quadro mais próximo de quanto será o benefício na aposentadoria", diz o diretor de previdência da Mapfre Seguros, Carlos Alberto Gadia Barreto. A tábua traz uma taxa de juros prefixada, que pode ir de zero a 6% do valor da reserva acumulada ao longo dos anos e que será transformada em renda. Quanto mais alta a taxa, maior o valor do benefício final. Osvaldo do Nascimento, presidente da Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp) e também principal executivo da Itaú Seguros, diz que a maioria das seguradoras usa a tábua mais conservadora do mercado. No entanto, segundo ele, a maior parte das seguradoras adota a taxa de juro zero. Tudo isso para evitar que a instituição prometa rentabilidades que não possam ser cumpridas na aposentadoria. "É mais seguro já que ninguém sabe quais serão os juros daqui a 30 anos." Mas, segundo Barreto, o investidor deve obrigar a seguradora a fazer simulações com a taxa garantida pela tábua, como forma de ter um resultado mais próximo da realidade. E o executivo vai além: segundo ele, as seguradoras teriam fôlego para oferecer uma taxa prefixada razoável, que ficaria entre 3% e 4%. "Seria uma forma de dividir melhor o lucro com o participante", diz. "A Tábua Atuarial 2000 mais zero de juro representa baixos riscos, mas traz mais ganhos apenas para a seguradora." Uma simulação feita por Barreto indica que um investidor que aos 60 anos quer transformar um total acumulado de R$ 100 mil em renda mensal vitalícia receberia R$ 353,21 mensais em uma seguradora que garanta a AT 2000 mais zero de juro. A compra da mesma renda vitalícia em uma seguradora que oferecesse juro de 5% ao ano na tábua elevaria o valor final do benefício para R$ 633,33 ao mês. Mas o problema maior, lembra Barreto, é que há seguradoras que usam de artifícios para inflar a renda final e convencer o investidor de que estaria fazendo um ótimo negócio na hora da contratação. Muitas delas incluem na simulação ao investidor juros reais (já descontada a inflação) menos conservadores. Segundo Nascimento, as simulações são feitas com base nos juros atuais, que são altos. "A maior parte projeta a renda com juros reais de 6% ao ano, que são conservadores ao se levar em consideração a Selic atual, de 18,75%." Além disso, acrescenta, o investidor descontente com a aplicação pode migrar para outra seguradora a qualquer momento, sem custo. Do inglês "annuity table", a AT 2000 representa a expectativa de vida de uma população a partir de um estudo feito por americanos em 2000. O instrumento considera que as pessoas vivem, em média, cerca de 24 anos após os 60 anos, ou seja, ela lida com expectativa de vida de 84 anos. Já a AT 49 - a tábua anterior à AT 2000 - trabalha com expectativa média de vida de 78 anos. "Esta tábua refletia a realidade brasileira até o começo da década de 80", diz Barreto. "Mas as evoluções da economia e da medicina mudaram a realidade, principalmente de quem tem acesso à previdência privada no país." Os riscos atuariais, porém, não estão sozinhos. Hoje, no caso de falência da seguradora, o investidor teria problemas em reaver seus recursos, pois eles não estão segregados do patrimônio da empresa. De acordo com Nascimento, há projetos sob análise da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para blindagem dos ativos dos planos, como ocorre com os Fundos de Aposentadoria Programada Individual (Fapis), considerados fundos de investimento. "Embora o patrimônio dos planos não esteja totalmente segregado, ele está identificado." Outra das reivindicações do setor, afirma Nascimento, é que a tábua atuarial possa ser contratada apenas no fim da fase de acumulação, também como acontece com Fapis e com todos os fundos de previdência americanos. Barreto ressalta que o Brasil está entre os poucos países que obrigam a seguradora a garantir a aplicação da tábua no momento da compra do produto. "Essa é uma atitude paternalista, não realista", diz. Como o fundo é de longo prazo, afirma ele, o risco de desequilíbrio é grande. "Um mercado em franca expansão como esse exige cuidados."