Título: Regulação, palavra-chave na crise financeira global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2008, Opinião, p. A12

Uma das lições das muitas a serem aprendidas com a crise financeira mundial é a necessidade urgente de repensar o papel e a extensão da regulação dos mercados, em especial em tempos de globalização como os atuais. Durante anos, especialistas em finanças internacionais e representantes do sistema bancário vieram a público defender a tese de que menos regulação no setor, seguindo o modelo americano recente, poderia beneficiar muito o Brasil na medida em que favoreceria a expansão do crédito, combustível essencial para o crescimento econômico mais acelerado, tão desejado no país nas últimas décadas. Houve um início de desregulamentação e de auto-regulação dos mercados, em uma tendência que terá agora que passar por novo escrutínio.

O que se pode constatar neste cenário de quebra de bancos de investimentos americanos tradicionais e de intervenção bilionária dos bancos centrais, em especial da autoridade monetária americana, é que houve falhas terríveis na avaliação e na implantação de normas reguladoras em determinados segmentos do sistema de crédito nos Estados Unidos, que agora servem de alerta para outros governantes.

Três dos cinco maiores bancos de investimento americanos desapareceram como entidades independentes. A terceira maior seguradora do mundo só sobrevive porque foi resgatada, no último minuto, por uma ação - que fugiu aos padrões habituais - do Fed, o banco central americano. E persiste o temor de que outros bancos estejam sob risco de não conseguirem recompor suas situações financeiras. Ou seja, o que se entendia como o "novo" sistema financeiro dos EUA se dissolve diante dos nossos olhos.

Em algumas semanas ou meses, depois da fase de salvação dos bancos e de outras instituições financeiras que for possível resgatar, começará certamente o período de adoção de mecanismos de maior controle e regulação do mercado financeiro. O debate, porém, já começou. A tendência natural é que haja a decretação de regras muito severas de regulação do sistema financeiro e do mercado de capitais, repetindo o movimento pendular no rigor das regulamentações do sistema financeiro que já dura quase um século. Como se recorda, o "crash" de 1929 levou à aprovação, pelo Congresso americano, de uma lei que separava os bancos comerciais dos bancos de investimento. Mais recentemente, os escândalos corporativos, entre eles o caso Enron, desencadearam a aprovação da Lei Sarbanes-Oxley, que ampliou as exigências contábeis.

O período prolongado de crescimento acelerado, inflação baixa, taxas de juros reduzidas e estabilidade macroeconômica gerou complacência e maior disposição para assumir risco. Inovação, securitização, financiamentos fora dos balanços patrimoniais e outros artifícios surgiram de novo. Ao longo dessa fase de expansão econômica, as normas mais duras implantadas em momentos anteriores de crise foram suavizadas pelo temor de que essa legislação atrapalhasse o ritmo dos negócios. No caso da Sarbanes-Oxley, as regras mais rígidas levaram empresas a migrar de Nova York para praças mais liberais, como Londres.

Agora é o momento, portanto, de se estudar como retomar a regulação de uma forma balanceada. O consenso que surge da crise das hipotecas americanas é que será necessário reforçar a capitalização das instituições financeiras. Uma proposta bastante discutida nos fóruns internacionais é exigir mais capital dos bancos quando os ventos da economia são favoráveis, para terem gordura a ser queimada quando a próxima crise acontecer. Existem propostas também para exigir mais capital para os riscos de liquidez, baseadas no diagnóstico de que, em agosto de 2007, o mercado travou por falta de liquidez. O maior risco é pesar a mão nas exigências e encarecer a oferta de crédito. Em um relatório recente sobre o que o setor financeiro deveria fazer (ou deveria já ter feito), o Instituto Internacional de Finanças (IIF) se concentra em gestão de risco, remuneração, o modelo de concessão e cessão de créditos.

Crises são inevitáveis em sistemas financeiros desregulados, como terremotos numa falha geológica, como escreveu recentemente Martin Wolf , o respeitado colunista do "Financial Times" .