Título: Pauta de emergência
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 12/03/2011, Mundo, p. 16

Após três semanas de intensos conflitos, tropas leais ao ditador Muamar Kadafi e insurgentes líbios mediam forças, ontem, em uma disputa por territórios e apoio internacional. O lado do coronel líbio parecia estar em vantagem à medida que forças leais a ele intensificavam ofensiva para retomar o poder de cidades dominadas por rebeldes. A seu favor, contava também o fato de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Liga Árabe, não chegarem a um acordo sobre a imposição de uma zona de exclusão aérea na Líbia, medida requisitada pela oposição líbia.

Do lado dos rebeldes, a resistência prevalecia. Os insurgentes continuavam a desafiar o regime em enfrentamentos próximo a Ras Lanuf ¿ polo petrolífero e reduto rebelde que o governo disse ter tomado na quinta-feira. Somava-se a favor dos opositores o apoio da União Europeia, que, seguindo o Reino Unido, reconheceu o Conselho Nacional Líbio (CNL) como ¿um interlocutor político legítimo¿.

A posição do bloco, entretanto, é um pouco mais cautelosa do que a da França, que, no dia anterior, reconheceu o CNL como a ¿a única autoridade legítima e representativa dos líbios¿. Em resposta, a Líbia decidiu ontem suspender suas relações diplomáticas com a França, segundo anunciou o vice-ministro das Relações Exteriores, Khaled Kaaim.

Os líderes europeus também concordaram em proteger os civis líbios ¿por todos os meios necessários¿, evitando fazer uma ameaça militar direta. Reunidos em uma cúpula de emergência sobre o país petrolífero, eles pediram que Kadafi ¿deixe o poder imediatamente¿. O encontro encerrou dois dias de reuniões de crise sobre a Líbia, em Bruxelas, das quais também participaram ministros da Defesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e chanceleres da UE.

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) estava, ontem, dividido sobre a eventual imposição da zona de exclusão aérea na Líbia. A ideia, segundo diplomatas que integram o órgão, é aguardar as decisões da Liga Árabe e da União Africana para assumir uma posição sobre o tema e convocar uma reunião extraordinária para discutir o assunto no início da próxima semana. A Liga Árabe terá uma sessão de emergência sobre a Líbia hoje, mas não estava claro se ela poderá aceitar tomar essa atitude devido a prováveis objeções por parte da Síria.

Os Estados Árabes do Golfo, dominados pela Arábia Saudita, renovaram seu apoio ao princípio de criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia ontem, mas também insistiram na necessidade de a Liga Árabe mostrar-se precavida com tal operação. Reunidos na noite de quinta-feira em Riad, os seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Barein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuweit e Omã) consideraram o regime do coronel Kadafi ¿ilegítimo¿ e exortaram seus pares árabes a ¿assumir responsabilidades para fazer parar o banho de sangue¿.

Já a União Africana, cortejada há muito por Kadafi, rejeitou intervenção estrangeira, mas disse estar enviando uma delegação de cinco chefes de Estado à Líbia para tentar uma trégua. Na prática, qualquer ação militar necessitará de participação dos Estados Unidos, que, com a Otan, expressaram dúvida sobre a zona de exclusão aérea sem total apoio da comunidade internacional e uma justificativa legal.

O presidente norte-americano, Barack Obama, disse que os Estados Unidos ¿tentavam avaliar¿ o apoio dos países africanos e árabes a uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia. Segundo ele, todas as opções estavam na mesa para enfrentar a crise na Líbia.

Internamente, forças do governo, com grande vantagem de equipamentos, pareciam ter retomado a liderança dos conflitos. Barulho de explosões foi ouvido em Ras Lanuf ontem, enquanto forças do governo pelo mar, por terra e pelo céu tentavam retomar o porto petrolífero da cidade.

No oeste do país, a revolta em Zawiya parecia ter sido massacrada, mas rebeldes ainda mantinham controle sobre algumas partes da cidade em ruínas. O local estava calmo ontem, mas há relatos de que crianças e mulheres estariam entre os mortos nos últimos dias de confronto.

Brasileiro deixa o país O brasileiro Andrei Netto, enviado especial de O Estado de S. Paulo à Líbia, deixou o país na manhã de ontem e seguiu para Dubai, de onde partiria para Paris, onde vive, segundo o jornal. O jornalista foi libertado na quinta-feira no país do norte da África, no qual estava cobrindo os conflitos.

O jornal tinha perdido contato com Netto havia uma semana. O Estado informou que, até domingo, recebia informações indiretas de que ele estava bem, escondido na região de Zawiya, sem poder se comunicar por razões de segurança. Na quarta-feira, o diário confirmou que ele estava preso na Líbia, detido com o repórter do jornal britânico The Guardian, Ghait Abdul Ahad, na cidade de Sabratha, e entregue às forças militares, que impediram o contato com as representações diplomáticas de ambos os países.

O embaixador brasileiro na Líbia, George Ney de Souza Fernandes, intercedeu a favor de Netto, que foi libertado sob a condição de ser repatriado para Paris. Ahad continua preso e não havia previsão para sua libertação.

Já os três militares holandeses detidos na Líbia desde 27 de fevereiro foram libertados e abandonaram Trípoli ontem, segundo o porta-voz do Ministério da Defesa em Haia, Otte Beeksma. Os militares, dois homens e uma mulher, tripulantes de um helicóptero da Marinha, abandonaram a capital líbia a bordo de um avião militar grego, que seguiu para Atenas.

Eles entraram sem autorização no território para resgatar dois civis na cidade de Sirta, no norte do país. O helicóptero foi atacado e os três militares, detidos. Os civis foram entregues pouco depois à embaixada holandesa em Trípoli.