Título: Falta linha de crédito à exportação
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2008, Finanças, p. C1

Cristiane Perini Lucchesi, de São Paulo 18/09/2008

A crise de liquidez e solvência no sistema financeiro internacional agora atingiu em cheio o Brasil. Bancos grandes no mercado de financiamento ao comércio exterior já percebem falta de linhas externas de crédito para exportação e importação para atender à demanda dos clientes, situação que não se verificava desde a crise eleitoral de 2002. As linhas que restam são de curto prazo, no máximo 180 dias. O custo dobrou só em setembro.

Até agosto, apesar de todas as turbulências externas, a situação era de normalidade no fornecimento desse tipo de crédito considerado de menor risco, apesar da alta de custos e encurtamento de prazos. Mas, agora, a falta de linhas externas contribui para puxar para cima a cotação do dólar, que ontem chegou a R$ 1,89, alta de 3,6%, para depois voltar a R$ 1,868, mesmo assim uma alta de 2,41% no dia. Em setembro, o dólar subiu 14,25% e no ano, 5,12%.

Diferentemente do que aconteceu em 2002, no entanto, as linhas de comércio exterior agora sumiram não por causa de uma piora no risco-Brasil, mas sim por causa da falta de liquidez no mercado internacional de dólar. Tesoureiro de um banco estrangeiro conta que o mercado interbancário em dólar "acabou". Os bancos estrangeiros só conseguem linhas uns dos outros em dólar por prazos de um dia e pagando juros tão díspares que podem variar de 2% ao ano a 14% ao ano no mesmo dia. Quem tem caixa em dólar quer girar esse caixa no curto prazo e busca o menor risco possível.

A liquidez ainda é abundante, no entanto, no mercado interno em reais, e os bancos nacionais continuam captando sem problemas, mas no curto prazo. A situação sui generis faz com que vários grandes bancos usem seu caixa em reais para realizar financiamento ao comércio exterior em dólares. Em momentos de normalidade, esse tipo de operação tende a ficar cara demais. Mas agora há casos pontuais nos quais os custos tornam-se competitivos.

A operação funciona da seguinte forma: o banco capta por meio de Certificados de Depósito Bancário (CBD) ou por meio dos Depósitos Interfinanceiros (DI). Usando esses recursos o banco compra dólar no mercado local de câmbio, ficando então com caixa em dólar no exterior. A partir daí o banco utiliza os recursos para comprar papéis de outros bancos, dando liquidez para essas instituições emprestarem para empresas em operações de comércio exterior.

Ontem, para uma linha de 180 dias, esse tipo de transação ficaria ao custo de 5% ao ano, bem interessante para um banco que atende à empresa média ou pequena. Essas transações de uso do caixa em reais para linhas à exportação podem ter impacto neutro no câmbio se o banco assim que comprar o dólar no mercado à vista vendê-lo no mercado futuro para continuar com seu caixa em reais.

Ontem, a falta de linhas se agravou pela maior procura dos exportadores quando o dólar bateu R$ 1,89. Neste momento, as empresas procuraram Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACCs, pré-embarque) e Adiantamentos sobre Cambiais Entregues (ACEs, pós-embarque). Muitos exportadores também fizeram transações de venda de dólar no mercado futuro buscando travar suas receitas futuras em níveis atrativos.

Os números do fluxo cambial divulgados ontem mostram que nos primeiros 15 dias de setembro os exportadores continuam a embarcar mais mercadorias do que realizar fechamento de câmbio. O total de exportações no país na primeira quinzena de setembro foi de US$ 9,62 bilhões, enquanto o câmbio contratado para a exportação foi de somente US$ 8,9 bilhões.

O desmonte de posições de fundos e bancos que precisam de liquidez e perderam dinheiro em outros mercados tem sido determinante para puxar o dólar para cima contra o real, assim como contribui para elevar os juros nos mercados futuros, principalmente os de mais longo prazo, preferidos pelos estrangeiros.

Há tendência de futura redução da liquidez nesses mercados futuros com a aversão ao risco dos fundos e das tesourarias dos bancos, o que tende a potencializar os movimentos de alta e de baixa. A concordata da Lehman Brothers afetou especialmente o mercado a termo de dólares contra reais no exterior, o chamado mercado de "NDF" (do inglês "non-deliverable forward"). Nesse mercado, não há negociação em bolsa - os contratos são fechados entre as partes. O mercado é de balcão.

A Lehman Brothers, que entrou em concordata por meio do "chapter 11", era importante participante desse mercado de "NDF", dominado por bancos estrangeiros, principalmente os bancos de investimento puro, que estão no olho do furação financeiro. Esses bancos e fundos de risco se financiavam em ienes, pagando juros baixíssimos, e compravam reais no mercado de NDFs, ganhando a valorização da moeda brasileira e os juros em reais. Os bancos que vendiam esses reais no exterior vinham se proteger no mercado interno, na Bovespa BM&F. Agora, bancos estrangeiros e fundos que atuavam com "NDFs" estão avaliando suas posições credoras contra a Lehman, estimando perdas e desmontando posições em massa em busca de caixa. Poucos se arriscam a montar novas posições, diante do risco de outros bancos participantes quebrarem.