Título: Quanto elas gastam para a ir à luta todos os dias
Autor: Andrea Giardino
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2005, EU &, p. D6
Segunda-feira, 7 horas da manhã. A diretora de marketing da empresa de marcas FutureBrands, Renata Serena, se prepara para mais uma maratona de trabalho. São gastos pelo menos uma hora e 15 minutos em uma super produção que vai desde a escolha da roupa, passando pelos acessórios (brincos, pulseiras e relógio), até, é claro, a maquiagem. Rotina que já virou hábito para a executiva, assim como as aulas de ginástica. Ela acorda todos os dias, impreterivelmente, às 5h50 e segue meia hora depois para a academia. "É fundamental estar bem vestida e arrumada para trabalhar", afirma Renata. Seus gastos por mês oscilam entre R$ 600 e R$ 1mil, incluindo despesas com salão de beleza (cabelos e unhas), renovação do guarda-roupa e compras de bijouterias, entre outras coisas. Futilidade, custos desnecessários? Nada disso. Muito pelo contrário. Na sua opinião, estes "luxos" só contribuem para manter uma aparência impecável e bem cuidada para uma profissional que tem no contato com o cliente seu principal negócio. "Já pensou se eu fosse a uma reunião desleixada?", questiona. Foto: Silvio Ávila/Valor
Sonia Gama, CEO da Direkt, ressalta que os gastos são maiores para as mães. Assim como Renata, milhares de brasileiras gastam verdadeiras fortunas toda semana com manicure e cabeleireiros. Sem contar as despesas ocasionais com sapatos e bolsas. Não se pode esquecer que algumas regras de etiqueta recomendam combinar a cor da bolsa com a do sapato. Outra conhecida das executivas que adoram usar saia é também a tradicional meia calça. "Como elas rasgam fácil, já perdi a conta de quantas precisei comprar ao longo da minha vida profissional", observa Renata. A executiva lembra ainda que até pouco tempo atrás, muitas mulheres viviam a ditadura do "terninho", o que exigia a aquisição de modelos e conjuntos de várias cores. "Agora, além deles, também fazemos combinações diferentes de blusas, calças e saias", diz. Um levantamento fictício feito pela Braga & Marafon Consultores e Advogados mostra que as mulheres executivas gastam, em média, por ano, R$ 12,4 mil (veja quadro acima). Enquanto os homens têm uma despesa de R$ 8 mil. "É o preço que a mulher paga para se sentir a altura do homem no disputado mercado de trabalho", afirma a advogada Paula Aciron Loureiro. Na sua opinião, muitos desses gastos não são exigidos pelas empresas, mas fazem parte da cultura feminina. "Ela investe na sua formação educacional e profissional, assim como na aparência. Bem mais do que os homens, que têm no máximo quatro ternos, algumas gravatas e camisas para variar a composição", explica. Outro custo que acaba não sendo contabilizado pelas pessoas é o carro. Fora o combustível, há despesas com seguro, IPVA e manutenção. "Se a mulher colocar tudo isso na ponta do lápis, vai perceber que é preciso um bom controle financeiro", ressalta Paula. A boa notícia é que quem ocupa cargos de chefia, ou seja, de gerente para cima, conta em boa parte das companhias com automóvel. "E não apenas como instrumento de trabalho. Muitas empresas permitem ao funcionário ficar com ele nos finais de semana", afirma Pedro Pinheiro, da Mercer. Pesquisa feita pela consultoria com 205 corporações constatou que carro é um dos benefícios mais importantes oferecidos pelas multinacionais. Entre os gerentes mais seniores, essa é uma realidade para 80% do universo de entrevistados. Metade dos gerentes de segunda linha possui carro da empresa. Para Sonia Gama, CEO (Chief Executive Officer) da Direkt - empresa de marketing direto do Grupo RBS -, a mulher paga muito caro para trabalhar. Ela ressalta que os gastos não envolvem apenas vestuário, maquiagem e cabeleireiro. "Quem tem filhos precisa ter toda uma infra-estrutura por trás", destaca. "Tudo isso representa custos elevados". Ela cita sua trajetória de sucesso, sem dispor de qualquer tipo de apoio que conta hoje. De professora universitária de filosofia, há mais de 30 anos, à presidente de companhia no Rio Grande do Sul, ela teve que fazer grandes malabarismos para conciliar a vida pessoal com a profissional. Separada e com dois filhos pequenos, Sonia deu início a uma batalha dura. Ganhava pouco - mal dava para pagar a escola das crianças - e tinha que se virar para trabalhar fora. "Houve uma grande mudança para as mulheres, que devagarinho estão ocupando posições mais altas", afirma Sonia. "Mas não aconteceu uma mudança na expectativa do nosso papel. Pelo contrário, assumimos mais e mais atividades". Na sua opinião, esse cenário acaba sendo perverso para a mulher. "A gente precisa ter um bom suporte para sustentar nossa ausência em casa", observa Sonia. O que implica em mais custos para a mulher, principalmente para aquelas que exercem cargos de chefia e passam mais tempo fora de casa. Sonia, por exemplo, viaja de três a quatro dias por semana, além de viver em Porto Alegre, enquanto sua família - que ganhou mais um herdeiro - fica em São Paulo. Nos últimos 30 anos, segundo dados do IBGE, a presença feminina no mercado de trabalho dobrou e hoje atinge 45,3%. Prontas para assumir postos nas empresas, elas vivem dilemas que ainda estão longe de serem resolvidos. Algumas companhias tentam dar uma ajuda às mães, como acontece no Boticário. Há salão de beleza junto à fábrica, em São José dos Pinhais, Curitiba, e a poucos metros da sede foi construído o Centro Educacional Annelise Krigsner para filhos das funcionárias. É uma pré-escola, onde ficam crianças com até seis anos.
"Ter uma creche no trabalho não resolve os problemas totalmente. Apenas quando os filhos são pequenos. Depois o caminho árduo continua", argumenta Sonia. "Na adolescência precisamos colocá-los em atividades que ocupem seu tempo, inclusive nas férias". Coisas que exigem um alto investimento. E o mais curioso é que enquanto os gastos da mulher são infinitamente maiores, na média, elas ganham menos. Um estudo divulgado em 2004 pelo IBGE e do Instituto Ethos, realizado com 247 empresas brasileiras, revelou que os homens brancos ganham R$ 7,16 por hora e as mulheres R$ 5,69. O que piora quando ela é negra. Sua remuneração chega a R$ 2,78. "Sem dúvida, gastamos mais e não é só a mulher brasileira", observa Sonia. "Nos Estados Unidos e Europa a situação é igual. Talvez fosse interessante na hora de calcular salários e benefícios das mulheres, incluir na remuneração esse tipo de custo", defende.