Título: Veto de Castello Branco em 1964 pode garantir distribuição de dividendos
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2005, Brasil, p. A3
Um documento encaminhado ao Congresso, em 1964, pelo então presidente da República, Humberto Castello Branco, deve tornar-se o principal argumento que as companhias abertas usarão para poder distribuir dividendos, mesmo se tiverem débitos tributários federais sem garantias. A restrição à distribuição de lucros por empresas com dívidas foi imposta por uma lei de dezembro passado, que "revitalizou" uma antiga lei de 1964 já revogada desde que foi publicada a Constituição Federal de 1988. Recuperada em papel datilografado dos arquivos da biblioteca do Câmara Federal dos Deputados, a mensagem de veto de Castello Branco à antiga lei de 1964, porém, excluiu a palavra "dividendos" do texto da lei original. "Ou seja, os dividendos não estão incluídos entre as remunerações a acionistas que estão sujeitas à restrição da antiga lei", defende o diretor jurídico da Cisa Trading, Gilberto de Souza Toledo. "Entendemos agora que não existem riscos ou que estes são mínimos na distribuição de dividendos." O texto "revitalizado" do artigo 32 da Lei nº 4.357/1964 impede a distribuição de "bonificações" ou "participação de lucros" a sócios, acionistas e dirigentes de empresas com débitos tributários federais não garantidos. Ao mudar as normas previstas para multar as empresas que infringissem essa previsão, a Lei nº 11.051, de dezembro de 2004, levou as empresas a bater às portas dos tributaristas. "Como o texto da lei de 1964 é vago, a interpretação geral foi de que os dividendos estavam sendo afetados", conta o advogado Júlio de Oliveira, do escritório Machado Associados. "Essa mensagem de veto com certeza muda essa interpretação." Gilberto Toledo, diretor da Cisa Trading, conta que a nova previsão logo despertou a atenção da empresa. Preocupado com seus efeitos, ele começou a levantar documentos. "Fui à Brasília para pesquisar na biblioteca da Câmara Federal os documentos sobre a sanção da lei." Uma publicação no Diário Oficial da União de julho de 1964 registrou que o então presidente enviou ao Senado Federal suas razões de veto à antiga lei. "Foi assim que conseguimos a cópia datilografada da íntegra da mensagem de veto." O texto da mensagem enviada pelo marechal aos parlamentares vai ao encontro dos argumentos de preservação da atividade econômica das empresas. Ao justificar o veto à palavra "dividendos", Castello Branco disse que "a ingerência do Fisco em assuntos da economia interna das empresas deve ficar restrita a casos excepcionais, evitando-se que os poderes de controle destinados a garantir a pontualidade no pagamento dos tributos e contribuições sejam transformados em elementos de perturbação da vida normal das empresas, que são os núcleos propulsores do desenvolvimento da economia nacional." A mensagem de veto ainda explicita: "sob essa ordem de idéias, parece aconselhável restringir os casos de intervenção, limitando-os às hipóteses essenciais. Delas deverão ser excluídos os casos de distribuição de dividendos e de pagamento por serviços prestados pelos dirigentes das empresas. A exclusão dos dividendos torna-se mais aconselhável, ainda, no caso de acionistas minoritários, que ficariam prejudicados por erros de uma administração que, em geral, não teriam forças para substituir." O tributarista Gustavo Haddad, do Goulart Penteado, Iervolino e Lefosse Advogados, acredita que a mensagem de veto revela a vontade do legislador e do Poder Executivo à época em que a lei de 1964 foi aprovada e sancionada. "Trata-se de um dado histórico relevante", diz. "A mensagem corrobora o argumento de que a restrição viola a livre atividade econômica das empresas", completa o advogado Andrei Furtado Fernandes, do Barbosa, Müssnich e Aragão Advogados. Fernandes, lembra, porém, que resta às companhias abertas a dúvida em relação aos juros sobre capital próprio, muitas vezes utilizados em lugar dos dividendos. "Não se sabe se esses juros serão equiparados ou não aos dividendos."