Título: Corte de gasto tem mais adeptos que taxação de capitais
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2005, Brasil, p. A4
A discussão sobre a eficácia da política monetária e o uso de outros instrumentos além da taxa Selic ganha corpo entre os economistas, mas não há consenso sobre que outras medidas devem ser usadas além do aumento dos juros no combate à inflação. Para os analistas ortodoxos, o mais importante é apertar o cinto e cortar gastos públicos para reverter o caráter supostamente expansionista da política fiscal, que entra em contradição com a política monetária. A proposta do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore, em entrevista ontem ao Valor, de usar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no ingresso de capitais de curto prazo para reduzir o fluxo que recursos que derrubam o câmbio e achatam as taxas de juros de longo prazo, não agrada a todos. Alguns a julgam ineficaz. Outros, porém, afirmam que, se usada por algum tempo, pode ser interessante. O professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, diz que o grande problema é a inconsistência entre as políticas fiscal e monetária. Os gastos do governo federal aumentaram mais de 10% em termos reais no ano passado, e a expectativa é de continuidade da elevação das despesas. Para ele, enquanto a política fiscal estiver pressionando a demanda, o BC é obrigado a manter juros elevados. Essa combinação diminui a eficácia da política monetária. "O mix correto de política econômica é cortar gastos e reduzir juros", afirma Garcia. A questão, segundo ele, é que também há uma defasagem entre aperto na política fiscal e seu impacto sobre a economia. Enquanto os cortes de gastos não surtem efeito, Garcia avalia que o uso do IOF no ingresso de capitais de curto prazo pode ser interessante. Ele ressalta, porém, que isso deve ser usado como uma ponte até que a política fiscal contracionista comece a atuar sobre a demanda. Na entrevista ao Valor, Pastore defendeu, além de uma política fiscal mais contracionista, o uso do IOF para taxar o ingresso de capitais de curto prazo, como forma de reduzir o fluxo de recursos que entram para aproveitar os juros. Segundo ele, ao ingressar no país, esse dinheiro vai para contratos de DI futuro ou contratos de swap de 360 dias (o juro privado de um ano), aumentando seus preços e, com isso, reduzindo as taxas de juros de longo prazo, as que definem o custo de empréstimos e financiamentos. Isso diminui a eficácia da política monetária, já que os juros longos sobem menos que a Selic, disse Pastore. O uso do IOF tenderia a reduzir os fluxos e, com isso, a demanda por contratos de juros. O resultado seria o aumento das taxas. Garcia adverte que medidas como o uso do IOF tem eficácia apenas por períodos curtos. Estudos de Bernardo Carvalho, um de seus orientandos de mestrado, indicam que tendem a funcionar por dois a sete meses, com base nas experiências dos anos 90. A questão é que, como o mercado é desenvolvido, os investidores encontram logo maneiras de driblar as restrições. O ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, vê com reservas o uso do IOF sobre capitais de curto prazo. Para ele, a medida tende a ser ineficaz, porque boa parte das apostas dos estrangeiros nos altos juros brasileiros não é feita por meio de ingressos pesados de recursos no país. Os investidores fazem operações nos mercados futuros no exterior, aplicando em contratos em reais em Nova York, por exemplo. Por meio de operações de arbitragem entre os dois mercados, isso afeta as taxas de juros por aqui. Loyola também avalia que, devido à sofisticação do mercado brasileiro, os investidores tenderiam a driblar o IOF sem grandes dificuldades. O ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos, também avalia que a medida não seria eficiente, porque o grosso dos recursos que entram no país vêm do saldo comercial e para aplicações em bolsa, e não para aproveitar as taxas de juros. Essas operações são feitas basicamente no exterior, afirma ele. O economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, concorda com a análise de Pastore de que há uma fadiga de instrumentos, e que há um peso excessivo em cima da Selic. Ele tem dúvidas, porém, quanto à efetividade do uso do IOF, pelos motivos expostos por Loyola. Mesquita considera a elevação dos compulsórios uma opção razoável, embora reconheça que eles são muito elevados. Mas o ideal, para ele e também para Loyola, seria cortar gastos. O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, vê com ceticismo a tese de que a política fiscal é expansionista. Para ele, com superávit primário (o resultado das contas públicas antes do pagamento de juros) de 4,61% do PIB e queda do déficit nominal (que inclui as despesas financeiras), não é o governo que vem estimulando a demanda. O forte crescimento do crédito e das exportações líquidas (a diferença entre exportações e importações) seria uma explicação mais convincente para isso. Analista heterodoxo, ele considera natural o uso do IOF no ingresso de capitais de curto prazo. "É questão pragmática, e não ideológica." É uma maneira, segundo ele, de impedir uma valorização excessiva do câmbio e também de impedir um achatamento dos juros de longo prazo. O grande problema, segundo ele, é que não se pode descarregar em cima da política monetária a responsabilidade de organizar a política econômica. Usar o IOF, nesse cenário, seria apenas lançar mão de um instrumento mais adequado para um objetivo.