Título: Estudo detecta pontos fracos na indústria petrolífera nacional
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2008, Especial, p. A14
O crescimento da produção de petróleo e gás, antes mesmo das descobertas da camada pré-sal, está criando no Brasil uma indústria petrolífera diversificada e forte, mas especialistas advertem que a maioria dos setores sofre de atraso tecnológico e falta de escala para atender a demanda futura. Avanços têm ocorrido, mas chegou o momento de dar o salto, do contrário, o país, que se prepara para se tornar exportador de petróleo, ficará dependente da importação de máquinas, serviços e até de mão-de-obra. Leo Pinheiro/Valor
José Renato de Almeida, Prominp: "Foco é a competitividade da indústria"
Em 2003, a indústria brasileira respondeu por 57% dos equipamentos e serviços contratados pela Petrobras. Cinco anos depois, o índice médio de conteúdo nacional nas compras da estatal pulou para 75%. Esse aumento gerou, dentro do país, renda de US$ 9,3 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões) e 430 mil empregos diretos. O salto é atribuído às iniciativas do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), criado pelo governo Lula em 2003 para aumentar a participação da indústria brasileira de bens e serviços no setor de petróleo e gás.
O esforço é justificado. "Partindo de uma base industrial muito inferior à nossa, a Noruega alcançou, em um período de 25 anos, conteúdo local de 60%, com as empresas exportando 50% de sua produção", informa o professor Carlos Frederico Leão Rocha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para dar continuidade ao trabalho de fortalecimento dos fornecedores do setor petrolífero, o governo, por meio do Prominp, decidiu fazer uma avaliação do grau de competitividade dos 17 setores que vendem equipamentos e serviços à Petrobras e a outras empresas de petróleo do país. Num estudo minucioso, Leão Rocha e outro professor da UFRJ - Adilson de Oliveira - constataram que, apesar dos avanços ocorridos no Brasil, há muitos problemas a serem resolvidos.
Dos 17 setores, apenas quatro - os fabricantes de tubos, de conexões e flanges, de hastes e unidades de bombeio e de geradores e motores elétricos - não têm lacunas a serem fechadas (ver quadro). Dos 13 restantes, seis têm problemas de escala e quatro, de atraso tecnológico. O desafio, daqui em diante, será enfrentar essas deficiências.
"O que faz o país ter conteúdo local de investimentos é possuir uma indústria competitiva. Quanto mais competitiva for a indústria, maior será o conteúdo nacional nos projetos de petróleo e gás", diz José Renato de Almeida, coordenador-executivo do Prominp. "O nosso foco é trabalhar a competitividade da indústria."
Os estudos dos dois especialistas da UFRJ foram feitos sem considerar o petróleo da camada pré-sal, o que torna ainda maior o desafio da indústria fornecedora do setor de petróleo nos próximos anos. O trabalho leva em conta o fato de que, mesmo sem o óleo do pré-sal, o Brasil já vem caminhando a passos largos para se transformar numa potência petrolífera. Os números dos investimentos confirmam a corrida do petróleo.
Nos últimos cinco anos, os investimentos da Petrobras praticamente quintuplicaram, passando de US$ 7,4 bilhões em 2002 para cerca de US$ 35 bilhões neste ano. O plano de negócios da estatal para o período entre 2008 e 2012 prevê investimentos de U$ 97,4 bilhões (R$ 178 bilhões), 56,3% dos quais em exploração e produção (ver quadro). "A Petrobras gerou, em 2007, 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e contribuiu com 9% da Formação Bruta de Capital Fixo", observa João Carlos Ferraz, diretor de Planejamento do BNDES.
No mesmo período (2008-2012), estima-se que as outras empresas de petróleo que atuam no Brasil investirão US$ 30,6 bilhões. Provavelmente, todos esses números, inclusive os da Petrobras, serão revistos para cima por causa das descobertas da camada pré-sal. A estatal, por exemplo, deve anunciar no próximo mês o seu plano de negócios para 2009-2013. No mercado, a expectativa é a de que, por causa dos novos campos, os valores serão bem superiores aos dos últimos planos qüinqüenais.
Essa mobilização de recursos movimentará os fornecedores de máquinas, equipamentos e serviços da indústria petrolífera não só no Brasil, mas também no exterior. Há razões objetivas para acreditar nisso. O Departamento de Energia do governo dos Estados Unidos, por exemplo, estimou, também antes das descobertas da camada pré-sal, que as duas regiões onde haverá o maior crescimento da produção de petróleo off-shore nas próximas duas décadas estão no Atlântico Sul (ver mapa). Nessa mesma previsão, o Brasil elevaria sua produção de 2 milhões para 4,4 milhões de barris diários em 2030.
Na opinião de especialistas, o que vai fazer diferença daqui em diante será justamente a produção off-shore, que demanda equipamentos e serviços especiais - na camada pré-sal, onde o petróleo está localizado em águas ultraprofundas, o desafio tecnológico é ainda maior. "Há fornecedores de equipamentos e serviços totalmente capazes e competitivos para o setor de petróleo e gás off-shore nos EUA, no Golfo do México, no Mar do Norte e na Ásia. Esse pessoal está perdendo mercado porque nessas regiões a produção vai declinar ou crescer pouco, então, a tendência é que os fabricantes olhem para o mercado que vai crescer", explica Almeida, do Prominp.
Por causa das descobertas na camada pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que quer transformar o Brasil não num mero exportador de óleo bruto, mas de produtos com valor agregado, como a gasolina. O desejo, na avaliação de especialistas, é nobre, mas a realidade mostra que o foco neste momento deve ser outro. Uma das razões para isso é que os setores de refino e petroquímica são intensivos em capital, e o custo de capital no país ainda é muito alto. Além disso, as margens de lucro das refinarias são estreitas e o retorno dos investimentos só vem a longuíssimo prazo.
Outra limitação a investimentos na construção de refinarias está no mercado. "Que mercados irão absorver essa produção?", indaga o professor Leão Rocha. "A política industrial não deve objetivar a agregação (de valor) na cadeia a jusante (nos derivados de petróleo). O problema maior não está nas margens das refinarias e da petroquímica, mas nos mercados."
O professor da UFRJ argumenta que há um grande potencial para a criação de valor nos setores de bens de capital e engenharia que trabalham para a indústria de petróleo e gás. "É para esse lado que deve ser dirigida a política industrial", defende. Os desafios são gigantescos, mas não são insuperáveis. "A indústria de petróleo e gás encontra-se diante de uma oportunidade e, ao mesmo tempo, de um desafio histórico. A mudança na sua escala cria condições excepcionais para que o parque de seus fornecedores domésticos de equipamentos desenvolva-se e se consolide como supridor competitivo para todo o Atlântico Sul."
Antes de avaliarem a competitividade das empresas nacionais, Leão Rocha e Adilson de Oliveira estudaram a experiência da Noruega e do Reino Unido, que expandiram fortemente a produção de petróleo a partir da primeira grande crise do petróleo, no início dos anos 70. Ambos adotaram políticas ativas de incentivo aos fornecedores locais para dar suporte a suas indústrias de petróleo. No caso inglês, o governo investiu mais em inovação para oferecer capacitação tecnológica ao sistema produtivo local e, no norueguês, no desenvolvimento de fornecedores domésticos.
A Noruega partiu praticamente da estaca zero, diferentemente do Brasil, que já possui uma indústria fornecedora forte. No país nórdico, a estatal Statoil atua como coordenadora do processo de inovação e também como braço de apoio tecnológico de seus fornecedores, papel que aqui é exercido pela Petrobras. "Esse gerenciamento é crucial para o sucesso das empresas de petróleo, pois a confiabilidade dos equipamentos e processos dos seus fornecedores é característica essencial para a garantia de fluxos de caixa positivos para os projetos", diz o estudo do Prominp.
Com a crescente complexidade da exploração de petróleo off-shore, a Statoil, a estatal norueguesa de exploração de petróleo, transferiu competências gerenciais e tecnológicas às empresas de engenharia e montagem - as chamadas EPCistas. Essas empresas passaram a investir mais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do que as operadoras de petróleo. Seus investimentos levaram os fornecedores de equipamentos a também gastar mais em P&D - 45% das firmas aplicam mais de 2% do faturamento e um grupo de 15% das empresas chega a investir mais de 8% de suas receitas.
"É importante a forte interação entre as empresas da cadeia produtiva petrolífera nesse esforço inovativo. Dois terços delas colaboram (na Noruega) no desenvolvimento de novas tecnologias com algum tipo de parceiro", informam Leão Rocha e Adilson de Oliveira. O governo, por sua vez, tanto o federal quanto os locais, ajuda oferecendo infra-estrutura tecnológica. Foram criados cursos superiores dedicadas à formação de mão-de-obra qualificada e adotados estímulos às atividades de P&D. O resultado disso é que várias empresas norueguesas são hoje fornecedoras de classe mundial, "presentes em diversos mercados, inclusive o Brasil".
"O fabricante nosso que achar que está com a carteira cheia porque vai ter muita demanda está enganado. Se ele não estiver pronto para ser um global player (um ator global), vai sofrer. Isso aqui é jogo para gente grande. Temos que trabalhar a nossa indústria para sermos competidores globais", alerta José Renato de Almeida.