Título: Congresso interfere no plano do Tesouro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2008, Finanças, p. C1

Greg Hitt, Damian Paletta e Deborah Solomon, The Wall Street Journal, de Washington 22/09/2008

Parlamentares americanos estão lutando para imprimir suas marcas no plano de US$ 700 bilhões da Casa Branca para salvar os mercados financeiros - uma competição acirrada que pode mudar o formato de um dos maiores pacotes de socorro da história americana. Não há sinal ainda de que o Congresso vai adiar ou descarrilar a proposta. Membros do Partido Democrata, de oposição, querem acrescentar cláusulas que incluam maior supervisão do Congresso, ajuda para mutuários da casa própria e mudanças nas leis de reestruturação judicial.

O governo se opõe a algumas das medidas. A maior briga talvez resida na tentativa dos democratas de exigir que os participantes do programa limitem o que pagam a seus executivos.

Na semana passada, quando se abriram novas fissuras nos mercados financeiros mundiais, o Tesouro dos Estados Unidos anunciou um plano para gastar até US$ 700 bilhões na compra de hipotecas de recebimento duvidoso e títulos relacionados a esses créditos hoje nas mãos de instituições financeiras. Em muitos aspectos, o setor financeiro praticamente deixou de funcionar na semana passada. A esperança é que aliviar os bancos de empréstimos problemáticos possa permitir que os mercados de crédito se estabilizem.

O socorro do governo suscita questões espinhosas que podem ser difíceis de resolver quando o projeto de lei avança rápido pelo Congresso. Até essa proposta, a resposta do governo à pior crise financeira dos EUA em 80 anos havia sido liderada basicamente pelo Tesouro e pelo Federal Reserve, o banco central, com o Congresso consultado normalmente depois do fato. Em conseqüência, os parlamentares vêem agora o plano de resgate como uma oportunidade de reafirmar sua autoridade. Muitos estão nervosos com o pedido do Tesouro de um cheque em branco com poucas condições.

A proposta também provocou uma revolta populista, com muitos membros do Congresso dizendo que o projeto de lei precisa ser mais orientado para as pessoas do que para Wall Street. "Isso não é de maneira nenhuma para privar (o secretário do Tesouro, Henry Paulson) da oportunidade de agir. Entendemos totalmente a gravidade do momento", disse o democrata Chris Dodd, de Connecticut, presidente do Comitê de Bancos do Senado. Mas ele acrescentou: "Não dá simplesmente para entregar US$ 700 bilhões de dinheiro do contribuinte e não insistir que o contribuinte seja protegido nisso."

A mais recente proposta do Tesouro, enviada ontem ao Congresso, pode permitir que instituições estrangeiras participem. Ela também deixa aberta a porta para que fundos de hedge vendam créditos podres ao governo.

O Congresso e o Departamento do Tesouro parecem estar de acordo no quadro geral, ou seja, a necessidade e o custo. As diferenças residem em detalhes como o que o governo deve obter, se obtiver algo, em troca da ajuda a firmas financeiras em dificuldade.

Paulson está resistindo a tentativas de limitar a remuneração de executivos cujas firmas participem do programa e planeja combater isso "duramente", segundo uma pessoa familiarizada com a questão. Ele teme que a cláusula anularia o programa, já que muitas firmas optariam provavelmente por não participar. Parece haver disposição em negociar outras questões, tais como de que maneira o Tesouro contrata gestores de recursos para supervisionar as enormes carteiras de investimento que podem estar sob sua administração.

Outra área provável de concessão é a ajuda aos mutuários. O governo já acredita que seu plano dará alívio aos tomadores de empréstimos, ainda que o palavreado legislativo específico não trate da questão. Como o Tesouro vai deter títulos lastreados por hipotecas e créditos imobiliários, Paulson disse numa entrevista para a rede de televisão ABC que o governo será capaz de exercer pressão sobre as firmas de serviços hipotecários para modificar termos.

O debate pode expor uma ironia peculiar no planejamento de resgate do governo, porque os contribuintes são agora tanto credores quanto devedores na crise imobiliária. Enquanto alguns contribuintes podem se beneficiar com a modificação de hipotecas ou a facilitação do processo de concordata pessoal, outros podem ser prejudicados se essas medidas aumentarem o custo geral do socorro.

As chances de o Congresso dizer "não" ao plano continuam pequenas, poucas semanas antes de uma eleição, porque os parlamentares podem temer serem estigmatizados por barrar o que autoridades do Tesouro e do Fed disseram ser a última chance da economia.

Mas entre os líderes tanto do Partido Democrata quanto do Republicano há a preocupação de que o pendor mais populista do Congresso possa apresentar dificuldades. O maior problema deve estar na Câmara dos Deputados, onde republicanos conservadores estão desconfortáveis com o tamanho do resgate e o escopo de poderes que seriam dados ao Tesouro, enquanto democratas pedem mais assistência a mutuários em dificuldades. O deputado Jeb Hensarling, um republicano do Texas, disse que há "preocupações generalizadas" entre os conservadores da Câmara. Ele disse que a maioria não assumiu ainda uma posição publicamente. Mas sugeriu que "vários podem muito bem" se opor ao plano. "É uma votação muito, muito dura", disse. Hensarling expressou preocupações com o custo e o escopo, mas disse que mantém a mente aberta.

O Congresso e a Casa Branca começaram as negociações durante o fim de semana e esperam chegar a um acordo hoje à tarde. O deputado Barney Frank, presidente do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados, está liderando as negociações, com sugestões de líderes democratas tanto da Câmara quanto do Senado. Paulson deve depor nos comitês da Câmara e do Senado amanhã e na quarta. Isso criaria o cenário para uma votação na Câmara quinta-feira e no Senado sexta.

As negociações se intensificaram ontem, quando deputados democratas apresentaram sua própria proposta de uma possível lei a autoridades do Tesouro. A proposta original do Tesouro, autorizando Paulson a criar um fundo de US$ 700 bilhões para comprar ativos relacionados a hipotecas de instituições em dificuldades, ocupava duas páginas e meia. Ele enviou um plano mais detalhado ao Congresso ontem.

O Tesouro compraria ativos num processo a ser determinado, mantendo-os até que o mercado se estabilize e então os revendendo ao setor privado. Isso retiraria do mercado os créditos podres que estão na raiz da crise atual. A avaliação desses ativos será uma das questões mais delicadas. Para que o plano tenha sucesso, as instituições precisam ser capazes de retirar esses ativos de seus balanços a um valor alto o suficiente para que sua situação patrimonial não seja ainda mais prejudicada.

O governo está, de certa maneira, incapacitado de impor termos muito rígidos, porque o objetivo do programa é ajudar os bancos a se reerguer - não forçá-los a grandes baixas contábeis, que poderiam exacerbar suas dificuldades. Ao mesmo tempo, a turbulência do mercado complicou os esforços de determinar o valor "real" dos ativos. Os detalhes de qualquer venda devem ser negociados entre os administradores de recursos e o Tesouro. Uma opção é um leilão reverso. Nesse caso, o Tesouro pode determinar um tipo de ativo que quer comprar e compraria títulos de instituições financeiras que os oferecessem ao menor preço.

Parlamentares sugeriram que o plano criasse uma entidade com crédito rotativo, sendo os US$ 700 bilhões um limite. Isso dá ao resgate valor potencial maior que todo o orçamento anual do Pentágono. A proposta também prevê que o limite de dívida pública do governo americano seja aumentado para US$ 11,3 trilhões. Seria a segunda vez este ano que o teto é elevado.

O Tesouro quer ampla autoridade no programa. Se as condições de mercado piorarem, ele quer flexibilidade para comprar ativos diferentes ou em maior número. Paulson apareceu em quatro noticiários da TV americana ontem para explicar e defender o plano. Numa delas, disse que o projeto de lei não deveria ter acréscimos de novos itens. "Queremos que isso seja limpo e queremos isso rápido, e é urgente que façamos isso", disse.

"Este é um momento humilhante para os Estados Unidos da América porque nós corremos o mundo e falamos às pessoas sobre nosso sistema financeiro", disse.

O candidato democrata à presidência dos EUA, o senador Barack Obama, enfatizou a necessidade de que um alívio ao contribuinte e ao mutuário faça parte de qualquer resgate de Wall Street num comício ontem. Ele não disse ainda se apoiaria uma medida que não incluísse essas cláusulas. O senador John McCain, candidato republicano, apóia um "projeto de lei bem enxuto, focado", sem os acréscimos dos democratas, disse Douglas Holtz-Eakin, seu principal assessor econômico. (Colaboraram Meena Thiruvengadam, Nick Timiraos e Laura Meckler)