Título: Governo prevê crédito caro e seletivo
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2008, Finanças, p. C7
Mesmo com o socorro bilionário lançado ao sistema financeiro pelo governo americano, os próximos meses ainda serão de grandes dificuldades. A previsão das autoridades econômicas brasileiras é de que o crédito externo será, a partir de agora e por um bom tempo, bastante seletivo e mais caro do que vinha custando antes do colapso dos bancos americanos. Na semana passada, o sistema não só fechou completamente os financiamentos ao comércio (linhas de exportações) e interbancário, como avisou aos governos e as empresas tomadoras de créditos que queriam receber a totalidade dos empréstimos no ato do seu vencimento. Ou seja, os bancos não estavam mais dispostos a rolar as dívidas.
Com o pacote de ajuda de US$ 700 bilhões que o governo dos Estados Unidos negocia com o Congresso americano, houve uma sensação de alívio para o governo brasileiro, mas "o processo de ajuste será longo" e a escassez de crédito externo, durante a fase de "desalavancagem" do sistema financeiro, poderá resultar, para o Brasil e para o resto do mundo, numa necessária redução do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos, avaliam economistas oficiais. Ao longo das próximas semanas deve ficar mais claro se o sistema financeiro internacional estará em condições e disposto a financiar esses déficits ou se os países terão que acomodá-los em patamares inferiores. Onde o regime de câmbio é flutuante, a taxa é que fará esse ajuste. Mas há uma parcela relevante do mundo em que o câmbio é administrado.
A fartura de crédito externo barato depois das crises da Ásia e da Rússia, no fim dos anos 90, permitiu que o déficit em conta corrente "em módulo" (o desequilíbrio externo entre os países) subisse da casa de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), naquela ocasião, para algo como 7% a 8% do PIB mais recentemente. Ou seja, houve um crescimento enorme que provavelmente terá que ser reavaliado e, para se ajustar aos novos tempos, as economias terão que sofrer desaceleração importante do nível de atividade.
No Brasil, o déficit vem crescendo de forma acelerada. Neste ano até julho chegou a US$ 19,512 bilhões (equivalente a 2,41% do PIB), cifra que representa 93% dos US$ 21 bilhões esperados pelo Banco Central para o ano. Os economistas do governo já vislumbram, porém, os primeiros sinais de acomodação. A projeção oficial indica que em agosto a conta ficou na casa de US$ 1 bilhão, abaixo dos US$ 2,111 bilhões observados em julho, e até o fim de 2008 não deverá ser superior a 1,5% do PIB.
"Talvez o mundo nunca tenha chegado tão próximo do abismo financeiro quanto na quarta e quinta-feiras da semana passada", comentou um funcionário do governo. "Estamos falando de uma crise sistêmica jamais vista", referendou um outro assessor da equipe econômica. Os clássicos instrumentos de política monetária geridos pelo Federal Reserve (Fed) - calibragem da taxa de juros e provisão de liquidez aos bancos - se mostraram absolutamente insuficientes para lidar com o problema, levando o governo americano a assumir a condução das eventuais saídas. Numa hora como essa, coube ao Departamento do Tesouro, através do secretário Henry Paulson, assumir a cena e colocar na mesa o dinheiro do contribuinte americano para salvar os bancos.
A total paralisia dos mercados na semana passada levou o Banco Central do Brasil a fazer venda casada com compra futura de dólar aos bancos, num total de US$ 500 milhões. A explicação da autoridade monetária é que essa iniciativa, que poderá se repetir se as condições de "desfuncionalidade" dos mercados - incapacidade de formar preços - voltar a ocorrer. Não cabe à instituição exercer papel de fomento e prover o mercado de crédito em dólares, seja para abastecer o comércio externo ou para prover financiamentos interbancários. Mas a avaliação do governo é de que a venda casa com a recompra dos dólares despejados nos bancos foi motivada não para derrubar a taxa de câmbio na sexta feira, mas para dar ao mercado condições que ele tinha perdido para formar preços. O BC, porém, não pode ser visto como um substituto do mercado de crédito externo, num momento em que esse secou, até porque sua função é de ser emprestador de última instância em moeda local.