Título: Sigilo difícil de quebrar
Autor: Cipriani, Juliana, Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2011, Política, p. 4

Há anos tramitam projetos no Legislativo para acabar com o voto secreto em plenário. Falta, no entanto, disposição aos parlamentares para apreciar e aprovar a matéria

A transparência no Legislativo brasileiro virou lei, mas ainda deixou de fora o direito de o eleitor saber como seus representantes votam em situações delicadas, como na cassação de colegas que quebram o decoro parlamentar ou na análise de vetos do Executivo. Situação que alguns deputados que compõem a minoria na Câmara pretendem reverter durante a votação dos temas que envolvem a reforma política, apesar de conhecerem as dificuldades. A ideia deve ir para a pauta dos discursos, mas dificilmente sairá do papel, já que esbarra no interesse de políticos que já se beneficiaram do caráter sigiloso do voto. É o caso de João Paulo Cunha (PT-SP), que escapou da cassação no escândalo do mensalão e hoje, por ironia do destino, é o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Apesar de conhecer as resistências, o fim do voto secreto será uma das bandeiras do líder da minoria na Câmara, deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG). Para ele, é direito do eleitor saber como se posiciona seu deputado em assuntos que envolvem corporativismo e subserviência dos parlamentares ao governo . ¿Já me manifestei várias vezes, inclusive em discurso. Sou favorável a essas mudanças, inclusive nos casos difíceis, que envolvem lealdade ao governo ou aos colegas. É uma questão de transparência. Todos dizem que a Casa do povo tem de estar aberta, então temos de disponibilizar todas as informações. Não tem razão nenhuma para o voto ser secreto¿, argumenta Abi-Ackel, que também defende o fim do foro privilegiado.

As articulações dos poucos parlamentares dispostos a aprovar o fim do voto secreto têm como alicerce uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada em 2001 pelo ex-deputado Luiz Antônio Fleury (PBT-SP). O projeto já passou por todas as fases de tramitação e no ano passado não teve a votação em segundo turno concluída por conta das medidas provisórias que trancavam a pauta. Este ano, a análise do projeto depende da boa vontade dos parlamentares para apadrinhar a tese e articular a entrada do assunto no plenário, ainda lotado de MPs editadas pelo governo.

O projeto de Fleury propõe o fim do voto secreto em todas as situações. Na justificativa, feita em maio de 2001, o parlamentar dizia que aquele ¿era o momento de excluir essa anomalia do nosso ordenamento constitucional¿. A matéria recebeu emendas estendendo a decisão para câmaras municipais e assembleias de todo país.

Salvamento Agora, dez anos depois, o projeto enfrenta um novo desafio para se tornar lei e vai esbarrar no interesse de políticos salvos justamente pelo caráter sigiloso dos votos dos colegas ao julgar casos de quebra de decoro.

No escândalo do mensalão, por exemplo, o voto secreto fez com que 12 deputados fossem absolvidos, enquanto apenas José Dirceu (PT-SP), Pedro Correa (PP-PE) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) acabaram cassados. A certeza de impunidade, para muitos alicerçada no sigilo dos votos dos parlamentares, é tanta que, no ano passado, a então deputada distrital Eurides Brito ¿ que aparece em vídeo guardando na bolsa dinheiro recebido de Durval Barbosa no escândalo do mensalão do DEM ¿ ajuizou reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo para que seu julgamento fosse realizado por meio de voto secreto.

Regras atuais De acordo com a Constituição, os parlamentares podem usar o voto secreto para decidir sobre casos como prisões de colegas, perda de mandato por quebra de decoro, excesso de faltas ou perda do direito político, além dos vetos do Executivo.

Segredo amigo

A votação de uma matéria propondo o fim do voto secreto esbarra principalmente na disposição dos políticos e seus aliados que já se beneficiaram da regra atual. No caso do mensalão, por exemplo, o número de absolvidos foi quatro vezes maior que o de cassados. Resultado obtido graças, também, ao caráter sigiloso da votação em plenário. Veja o desfecho do caso do mensalão na Câmara:

Absolvidos pelos colegas

João Paulo Cunha (PT-SP) - Acusado de ter recebido R$ 50 mil de Marcos Valério

Sandro Mabel (antigo PL-GO) - Acusado de ter oferecido dinheiro a uma deputada tucana para que ela trocasse de partido.

Romeu Queiroz (PTB-MG) - Acusado de ter sacado R$ 350 mil da SMPB.

Roberto Brant (antigo PFL-MG) - Acusado de ter recebido R$ 102 mil em campanha de 2004.

Professor Luizinho (PT-SP) - Acusado de ter recebido R$ 20 mil de Marcos Valério.

Pedro Henry (PP-MT) - Acusado por Jefferson de ser um dos distribuidores do mensalão.

Wanderval Santos (antigo PL-SP) - Acusado de ter sacado R$ 150 mil no Banco Rural.

João Magno (PT-MG) - Acusado de ter recebido R$ 426 mil de Marcos Valério.

José Mentor (PT-SP) - Acusado de ter recebido R$ 120 mil de Marcos Valério

Josias Gomes (PT-BA) - Acusado de ter sacado R$ 50 mil no Banco Rural

Vadão Gomes (PP-SP) - Acusado de ter recebido R$ 3,7 milhões do mensalão

José Janene (PP-PR) - Acusado de ter recebido R$ 4,1 milhões.

Os cassados

Roberto Jefferson (PTB-RJ) - Denunciou o esquema e acabou cassado porque os colegas alegaram que ele ¿não conseguiu provar as denúncias¿ sobre o mensalão

José Dirceu (PT-SP) - Cassado sob a acusação de ter chefiado o esquema quando era ministro da Casa Civil

Pedro Corrêa (PP-PE) - Cassado sob acusação de ter recebido dinheiro