Título: Políticas anticíclicas, segundo a Unctad
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Fonte: Gazeta Mercantil, 20/09/2004, Opinião, p. A-3

Em seu relatório 2004 sobre comércio e desenvolvimento, divulgado na quinta-feira, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) alerta os países em desenvolvimento, em especial os da América Latina, para a necessidade de fazerem frente a uma série de desafios, na perspectiva de crescimento sustentável de suas economias.

Entre os primeiros desafios, a Unctad elenca a necessidade de desincentivo ao fluxo de capitais de curto prazo e a adoção de uma taxa de câmbio estimulante para o comércio exterior. Ambas as providências, recomendadas especialmente para economias vulneráveis em suas contas externas, como é o caso da brasileira, contribuiriam para reforçar a sua capacidade de responder pelos compromissos da dívida ante situações de instabilidade nos mercados financeiros internacionais, lê-se no documento.

Tais recomendações não destoam, no essencial, de tudo o que se tem ouvido, com freqüência crescente e até à exaustão, nos debates em nosso País entre economistas, empresários e analistas que não partilham da crença monetarista dos responsáveis pela condução da política macroeconômica.

Ainda na semana passada, em seminário promovido pela Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, os palestrantes revezavam-se na reiteração de um mesmo mote: fazer frente a tais desafios é a "única saída" (nos termos do relatório da Unctad) para países endividados nos quais se combinam de modo perverso taxas elevadas de inflação e de crescimento e que não compõem nenhuma união monetária regional.

Segundo a Unctad, a economia global encontra-se em situação melhor do que no ano passado e prevê-se um período mais extenso de crescimento, mas a "perspectiva de recuperação é mais nebulosa e incerta que no início dos anos 90".

No caso dos países da América Latina, a Unctad saúda a eliminação dos regimes de câmbio fixo e os enxerga em condições externas mais favoráveis, graças à conquista de maior competitividade e à transição por um período de melhores preços nas commodities e menores taxas internacionais de juros.

O diagnóstico sobre o desempenho dos países da América Latina torna-se menos róseo ao cotejá-lo com o de países da Ásia. Diferentemente dos latinos, exceção para o Chile, os asiáticos têm-se saído muito melhor por terem adotado políticas anticíclicas, com juros baixos ou negativos, expansão dos gastos e investimentos públicos durante os períodos de baixo crescimento e contração nos períodos de alto. Enfatiza-se, assim, a importância crucial da estabilidade, sem no entanto abrir mão do crescimento.

Taxas de câmbio estimulantes para o comércio exterior favorecem as exportações e as contas correntes. Garante-se desse modo a entrada de moeda estrangeira via comércio e reduz-se a necessidade de financiamento externo mediante atração de capitais financeiros - tanto mais voláteis quanto mais elevadas as taxas de juros praticadas na remuneração dos títulos públicos. Saldos positivos nas contas externas propiciam o acúmulo de reservas, que se tornam essenciais para todo país emergente com alto grau de endividamento, como o Brasil. E, para completar o arsenal precaucionista, ante o risco sempre presente de contração da liquidez internacional, disciplina-se a entrada de capitais especulativos, como anteparo contra a volatilidade da taxa de câmbio.

Quanto às medidas anticíclicas, lembra-se que não procede de outro modo o Executivo dos Estados Unidos, embora o Tesouro norte-americano, detentor de posição hegemônica na formulação das diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI), recomende receituário contrário a países em desenvolvimento com balanço de pagamentos em situação vulnerável.

Ainda em defesa de políticas ativas de desenvolvimento, com autonomia para se manejar o orçamento e as políticas de crédito e juros, a Unctad evoca a experiência da Grã-Bretanha. Ao manter independência em sua política monetária e cambial, o país foi capaz de assegurar aumentos reais de emprego e salário, ao contrário dos demais países da União Européia, os da zona do euro, que estariam mantendo o crescimento abaixo da capacidade de suas economias devido às restrições nos gastos públicos e à política monetária contracionista, exigidas pelas diretrizes do Banco Central Europeu.

É dizer que, na perspectiva de avaliação da Unctad, o espetáculo de crescimento somente ocorrerá com taxa de câmbio favorável e quando se associar estabilidade e crescimento, de modo concomitante e não seqüencial; e se deixar de elevar a dívida pública mediante aumento da taxa de juros, para não expor ainda mais o País a risco de choques externos. kicker: O relatório da Unctad sobre comércio e desenvolvimento recomenda políticas anticíclicas para países da América Latina