Título: Voto distrital
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2011, Política, p. 4

Não é impossível que muitos e, no limite, todos os representantes dos distritos de um país sejam eleitos por um só partido, em eleições decididas localmente por pequenas margens

Enquanto engrossam as críticas ao voto proporcional, que adotamos desde a Constituição de 1934, o voto distrital ganha adeptos. De repente, ele parece ter se tornado uma quase unanimidade no meio político, depois de permanecer durante anos como uma hipótese remota para os insatisfeitos com o modelo que temos.

Na sua acepção tradicional, voto distrital é um sistema eleitoral em que cada uma das subdivisões territoriais de um país, os chamados distritos eleitorais elegem um ou mais representantes para o Legislativo (no caso de países bicamerais ¿ onde há o equivalente aos nossos Senado e Câmara dos Deputados ¿ apenas para a chamada Câmara baixa). No âmbito de cada distrito, ganha o candidato mais votado (ou os candidatos). Ou seja, é um mecanismo de escolha de deputados (e, em alguns lugares, de vereadores) análogo ao majoritário, que existe nas eleições para o Executivo e o Senado.

Com raras exceções (exclusivamente de países pequenos, como Israel e Holanda, onde há apenas um), os distritos eleitorais são mais abrangentes que as municipalidades e costumam ser menores que estados ou províncias, tanto em extensão geográfica, quanto em população. Os Estados Unidos, por exemplo, que adotam fórmulas de voto distrital desde a independência, têm hoje 50 estados e 435 distritos eleitorais. Na França, são 26 regiões administrativas e 577 circunscrições eleitorais. Nos dois países, cada distrito elege um representante.

Em quase todos os lugares, o número e o desenho dos distritos foi variando ao longo do tempo, em função de migrações internas e outros movimentos demográficos. Nos Estados Unidos, nos últimos cem anos, alguns estados ganharam e outros perderam população, o que fez com que aumentasse a diferença entre eles na quantidade de distritos, e, portanto, no número de representantes. Hoje, o que mais tem, que é a Califórnia, está com 53 distritos, enquanto outros 36 estados têm menos que 10 (7 somente um). Somados, os 20 estados menores têm menos peso na House of Representatives que a Califórnia, o que aumenta a importância do Senado, onde se procura compensar esse desequilíbrio assegurando a todos a mesma representação (note-se, porém, que isso pode não ser um problema, pois o relevante, nos países que adotam o voto distrital, não é a representação dos estados e sim a dos distritos).

Seus defensores costumam argumentar que é um sistema que maximiza a proximidade entre eleitor e eleito. Na medida em que os candidatos têm que disputar o voto de distritos relativamente pequenos e homogêneos (em termos demográficos, pois eles podem ser muito grandes em extensão territorial, como acontece no caso do maior estado americano, que é o Alaska, onde só há um), os cidadãos tendem a conhecê-los melhor e a ter mais condições de acompanhar o desempenho dos parlamentares.

Daí derivam, no entanto, duas consequências indesejáveis do sistema distrital. Uma é a baixa renovação da representação, decorrente das sucessivas reeleições que são típicas dele. Outra é a tendência a que ela se torne paroquial, com representantes especializados em questões de interesse circunscrito e impacto local (o que faz com que se pareçam com ¿despachantes de luxo¿ de cidades e regiões).

Mas o problema mais grave de qualquer sistema eleitoral baseado no voto distrital é a representação das minorias. Nele, algo que acontece com a democracia, de uma maneira geral (na medida em que é um regime de predomínio das maiorias), pode se tornar uma questão concreta e grave.

Não é impossível que muitos e, no limite, todos os representantes dos distritos de um país sejam eleitos por um só partido, em eleições decididas localmente por pequenas margens. No caso extremo: todos os deputados se elegem com 51% dos votos em seus distritos. A Câmara dos Deputados seria formada por 100% de parlamentares de um mesmo partido e 49% do eleitorado ficaria sem representação.

Sempre se pode dizer que essa situação não aconteceria no mundo real. O problema persiste, no entanto, especialmente em países multipartidários, onde a dispersão dos votos dos partidos menores tende a inviabilizá-los. Que é a razão de quase todos que adotam o voto distrital terem apenas dois partidos (ou pouco mais que isso) e de estarem se tornando comuns em alguns, como a França, candidaturas não partidárias, de indivíduos que pretendem representar o distrito articulando maiorias locais em torno de pautas extrapolíticas (econômicas, sociais ou étnicas, por exemplo).

Já tivemos voto distrital no Brasil. A rigor, se contarmos todo o tempo em que o tivemos, no Império e na República Velha, passamos mais tempo com ele que os 77 anos de voto proporcional. É tão grande, contudo, a diferença entre o Brasil de então e o de agora que pouco temos a tirar da experiência. Podemos inventar um novo sistema distrital? É claro que sim, mas os riscos são grandes. É alta a chance de não resolver os problemas que temos e de somar outros a eles.