Título: Interesses brasileiros no exterior exigem proteção
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/09/2008, Editoriais, p. A2

25 de Setembro de 2008 - cape 1,O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, manifestou à chancelaria equatoriana, ressaltando que falava a pedido do presidente Lula, a preocupação do governo brasileiro pela decisão do presidente Rafael Correa de expulsar a construtura Odebrecht daquele país. É fato que há uma escalada de pressões de Quito em relação aos interesses brasileiros, atingindo até os financiamentos já concedidos. Esse é o ponto: será suficiente, frente ao clima de tensão já instalado (que incluiu até a proibição de saída do país de executivos da empresa e a necessidade de abrigo de outro funcionário no prédio da embaixada), apenas a manifestação de preocupação do Itamaraty? É um engano supor que as pressões do governo Rafael Correa se restringiram às obras da Odebrecht. Para citar um exemplo, em março uma alteração da legislação tributária levou a Petrobras a devolver um campo de petróleo, já prospectado ao governo equatoriano. Quando manifestou apenas sua preocupação, o chanceler brasileiro afirmou que a decisão de Correa "pode afetar o clima que é tão bom para empresas brasileiras no Equador, que têm procurado investir no país". Essa análise da diplomacia brasileira é cautelosa em excesso frente às reações de Quito, que não poupou sucessivas ameaças. É preciso observar que na terça-feira o presidente Rafael Correa ordenou a suspensão das operações da empresa no Equador, durante as negociações para atender às reclamações do governo sobre a construção da hidrelétrica de de San Francisco. Intempestivamente, o presidente ordenou a ocupação militar do pátio de obras e o confisco do terreno, incluindo os demais projetos de engenharia em execução no local. Algumas horas depois, Correa fez um típico pronunciamento latino-americano na TV, avisando: "Nós estamos pensando em não pagar o crédito do BNDES concedido à Odebrecht para a construção de San Francisco". O motivo alegado por Correa para não honrar o financiamento de US$ 200 milhões foram as "inúmeras irregularidades", porque o recurso "foi dado à companhia, mas aparece como um empréstimo do Brasil ao Equador". A existência da hidrelétrica, que fornece 12% da energia consumida no Equador, construída a partir desse "empréstimo" apenas não ocorreu ao presidente Correa. Essa obra, construída em parceria com as fornecedoras de equipamento Alstom e Va Tech, tinha um custo inicial de US$ 286 milhões e recebeu um aporte do BNDES de US$ 243 milhões. O custo final, no entanto, ultrapassou US$ 358 milhões, gerando 230 megawatts de energia. Menos de um ano depois da entrega a usina apresentou problemas operacionais tanto nas turbinas como nos túneis. Há três meses foi preciso paralisar a operação no início dos consertos. A conclusão dos reparos está marcada para a primeira semana de outubro e o governo equatoriano passou cobrar uma indenização por lucros cessantes. A princípio, a Odebrecht resistiu a essa pressão, insistindo em que não existia cobertura contratual para essa demanda, mas acabou concordando até com o valor exato da indenização pedida por Quito, US$ 43 milhões. Em nota oficial, a Odebrecht aceitou a imposição e pediu a contratação de auditoria internacional para "determinar responsabilidades" quanto a futuras garantias operacionais da obra. O governo equatoriano anunciou que as negociações caminhavam bem. Porém, no dia seguinte dessa declaração, o presidente Correa determinou a expulsão da empresa. Entre a sensatez das negociações e o decreto expulsório estão os cinco dias que antecedem a votação do referendo sobre a nova Constituição equatoriana, que propõe grandes mudanças na ordem política do país, a primeira delas a que assegura maiores poderes ao presidente da República. O projeto de reforma, já aprovado pela Assembléia Constituinte, de maioria governista, permite que os poderes presidenciais reforçados façam mudanças na economia, principalmente em relação à divisão das receitas do petróleo entre as diferentes regiões do país. Essa promessa de redistribuição de receita petrolífera, mesclada com fortes apelos xenófobos, já garantiu 60% de apoio a Correa no referendo. Esse índice deve crescer com o decreto de expulsão da empresa brasileira. É preciso lembrar, no entanto, que o Brasil tem interesses e obras por toda a América Latina. Em dois casos específicos, Bolívia e Paraguai, os interesses em jogo são muito altos, envolvendo matrizes energéticas essenciais para o País. A atitude excessivamente conciliatória do Itamaraty pode vir a ser mal compreendida por nossos irmãos latino-americanos. Como alguns lamentáveis fatos, na Bolívia e no Equador, já demonstraram. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)