Título: Sem punição, o Congresso não aceita pacote Paulson
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Fonte: Gazeta Mercantil, 30/09/2008, Editoriais, p. A2
30 de Setembro de 2008 - A rejeição do plano de ajuda de US$ 700 bilhões aos bancos pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos proposto pelo presidente Bush e pelo secretário do Tesouro Henry Paulson abriu uma espécie de vácuo decisório sobre o controle da crise financeira aberta pelo estouro da bolha imobiliária. A tensão aumentou ao extremo e os mercados acionários reagiram com os scripts conhecidos: desabaram vertiginosamente. Em Washington os líderes partidários tiveram tempo para convencer deputados recalcitrantes a mudar de opinião. O objetivo era conseguir os 13 votos faltantes para aprovar o pacote de socorro, mas apenas dois atenderam ao pedido. Segundo as redes de TV americanas, o presidente Bush chegou a ligar a vários desses deputados, mas não obteve sucesso. Está planejada uma segunda votação sobre o tema, embora ainda não exista previsão exata para quando. É impossível não ver nessa derrota um revés múltiplo atingindo a administração Bush, a figura do secretário do Tesouro e dos líderes partidários, republicanos e democratas, das duas Casas do Congresso, que anunciaram a aprovação do projeto, pensado para acalmar o mercado depois do colapso do Lehamn Brothers e do socorro do governo para a American International Group (AIG), sem esquecer a tomada do controle das agências hipotecárias Fanny Mae e Freddie Mac.O epicentro do furacão financeiro, sem dúvida, foi a quebra do Lehman em 15 de setembro, dono do maior pedido de concordata da história, US$ 613 bilhões. Nesse mesmo dia, vale lembrar, o Merrill Lynch foi vendido para o Bank of America por menos de 70% do valor que tinha no começo do ano passado. A venda do Lehman foi impossível, apesar da interconexão de seus títulos podres com outras grandes instituições financeiras. Esse contágio precisava ter sido evitado, e não o foi. O sistema financeiro foi literalmente incapaz de uma auto-regulação saneadora. Os bancos foram ineficientes em dividir este prejuízo, de modo racional, antes da crise fatal do Lehman. A melhor evidência dessa contaminação sistêmica apareceu na operação de salvamento da AIG quando US$ 37 bilhões vindos dos empréstimos de resgate acabaram repassados para o Goldman Sachs, o Morgan Stanley e até o Deutsche Bank, empresas que teriam se tornado alguns dos credores citados no pedido de concordata da AIG, a maior seguradora do mundo, devido aos seus bilhões perdidos em prejuízos lastreados em créditos de alto risco. A resistência ao Plano Paulson vinha principalmente desse ponto: a contaminação sistêmica. Desde que lançou o plano, o secretário do Tesouro viu-se bombardeado de todos os lados. Do ponto de vista técnico, diferentes economistas criticaram duramente o plano. Inicialmente, o projeto previa dar carta branca para o Tesouro comprar das instituições endividadas quantos ativos podres fossem necessários. A convicção era de que a liquidez voltaria desde que os recursos intoxicados fossem parar nos cofres do governo. Os poderes ilimitados para Paulson assustaram os deputados e o plano foi criticado por não atacar a descapitalização do sistema bancário gerada pela grande alavancagem praticada pelos bancos de investimentos. A capitalização só daria certo se e quando o dinheiro tóxico fosse comprado pelo contribuinte americano devolvendo dinheiro bom para o bolso de quem gerou a crise. A Câmara dos Representantes resistiu, um sinal óbvio de que a saída da crise não está no Congresso, mas no próprio sistema financeiro, a quem caberia evitar o mal maior. Os mercados mundiais já conheciam o clima de resistência ao plano no Congresso, como a queda brutal nas bolsas asiáticas anteciparam e as européias confirmaram horas antes do mercado desabar em Wall Street. Era a confirmação de que a era de dinheiro fácil e dos bônus exagerados simplesmente tinha acabado. Agora, quem ficou sem falar em regulação de mercado quer frear Wall Street a qualquer custo, e os congressistas apenas resistiram. É preciso observar, no entanto, que a resistência ao pacote de socorro não é só dos republicanos fundamentalistas. O FMI agora fala em "reforma do sistema" e se oferece para implementá-la. Os líderes europeus, Angela Merkel à frente, já avisaram que não adotarão essa estratégia de usar dinheiro público para salvar quem gestou a crise. Um articulista do The New York Times foi direto ao ponto que interessa: não precisamos de um pacote de ajuda, "mas de uma reconstrução", que comece pela volta de "fazer as coisas baseadas na verdadeira engenharia, e não apenas na engenharia financeira". Foi pelo receio de que essa premissa não fosse atendida de novo, apesar da crise, que o pacote foi derrubado no Congresso dos EUA. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)