Título: Emenda pode afetar Jaqueline
Autor: Tahan, Lilian; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2011, Cidades, p. 19

Antônio Reguffe promete ingressar, amanhã, com projeto para alterar o Código de Ética da Câmara dos Deputados. Com isso, fatos ilícitos anteriores ao mandato do parlamentar poderão resultar em punição A representação do PSol que pedirá à Corregedoria da Câmara dos Deputados abertura de processo contra Jaqueline Roriz (PMN) por quebra de decoro parlamentar não será a única iniciativa com potencial de gerar uma punição política para a deputada flagrada em vídeo ao lado do marido, Manoel Neto, recebendo dinheiro das mãos de Durval Barbosa. O deputado federal eleito pelo DF José Antônio Reguffe (PDT) vai protocolar, também amanhã, um projeto de resolução para emendar o Código de Ética da Câmara. O parlamentar quer incluir no texto o seguinte artigo: ¿Em caso de ilicitude no exercício do mandato ou para obtenção desse, o fato será objeto de investigação pela Câmara e de deliberação pelo Conselho de Ética¿. Um crime tipificado como espécie de estelionato eleitoral.

O item vai de encontro a um precedente aberto na Casa em 2007, segundo o qual os parlamentares acordaram que investigação por quebra de decoro só vale para fatos ocorridos durante o curso do mandato. A proposta de Reguffe estabelece que atos ilegais cometidos para facilitar a vitória nas urnas devem ser alvo de investigação pela Corregedoria e de análise no Conselho de Ética. ¿Não é um projeto personificado em A ou B. Mas um debate de tese, conceito. Havendo algum tipo de ilicitude para se conquistar o mandato parlamentar a qualquer tempo, o ato não poderá ficar impune¿, considerou.

Apesar de não estar rotulada, a providência é sob medida para o caso de Jaqueline Roriz. A defesa da deputada será construída com base no argumento de que, na ocasião em que o vídeo foi gravado, ela não tinha mandato. Hoje, esse discurso poderia evitar a abertura de processo por quebra de decoro contra Jaqueline. Vários deputados citam o entendimento de que a investigação se limita a atitudes praticadas no decurso do mandato com base em um parecer de 2007. Nessa época, o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, então deputado federal e integrante do Conselho de Ética, escreveu um parecer respaldado pelos colegas estabelecendo que a Casa só abriria processo contra fatos suspeitos ocorridos após a posse do parlamentar. A medida ajudou a salvar deputados envolvidos no mensalão do PT.

A proposta de Reguffe tem potencial para reacender o debate de como a Câmara deve tratar os escândalos políticos envolvendo seus integrantes. Não é preciso ir longe para mostrar casos divergentes da tese de que a Casa Legislativa não tem legitimidade para apurar fatos pretéritos. A ex-distrital Eurides Brito (PMDB), por exemplo, teve o mandato cassado em 2010 por protagonizar enredo muito parecido com o de Jaqueline. Em 2006, assim como a filha de Roriz, foi filmada por Durval pegando dinheiro.

Iniciativa válida O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, considera válida a iniciativa parlamentar de alterar o Código de Ética da Câmara. Ele não concorda com o argumento segundo o qual ao ser eleito o deputado recebe uma espécie de ¿anistia¿. ¿Não há mais ou menos ética, há ética. A partir do momento em que o homem público assume o mandato e se descobre alguma irregularidade que ele tenha cometido no passado, isso por si só já dá ensejo para a abertura do processo por quebra de decoro¿, avalia. Para ele, o argumento de que só se pode punir fatos ocorridos no mandato é uma forma de o parlamentar se autoproteger.

O jurista Eduardo Alckmin, por sua vez, considera que o projeto de resolução a ser apresentado por Reguffe, em tese, poderá ser considerado inconstitucional, uma vez que, segundo ele, violaria um direito adquirido da parlamentar, o de responder a um eventual processo conforme as atuais regras em vigor da Câmara. Alckmin afirmou que não se pode admitir a criação de uma lei que atinja fatos passados. ¿Seria um atentado à segurança jurídica, algo absurdo¿, observou.

Representantes da bancada federal do DF dizem que apoiam a iniciativa de Reguffe. ¿Se a população elege sem saber se ocorreu alguma ilegalidade no meio do caminho, não é certo partir do pressuposto que o parlamentar foi anistiado. Concordo que nesses casos a Câmara deve ter a obrigação de investigar a denúncia¿, disse o presidente do PT no DF, deputado federal Roberto Policarpo. O colega Izalci Lucas (PR) também afirmou que não teria dificuldades em apoiar uma proposta como a de Reguffe. ¿Tem que se avaliar toda a vida pública¿, disse. Ex-porta voz do governador Joaquim Roriz, o assessor de imprensa Paulo Fona reagiu à atitude de Reguffe. ¿O deputado do PDT deve estar querendo atingir alguns de seus companheiros de partido e os do mensalão do PT¿, criticou Fona.

O governador Agnelo Queiroz (PT, comentou, ontem, no Ceilambódromo, as denúncias envolvendo a filha de Roriz. ¿Fiz minha parte ganhando as eleições. Agora, cabe ao Ministério Público, à Justiça e à polícia apurarem os fatos¿.

PARA SABER MAIS Tramitação é rápida O projeto de resolução é um mecanismo com eficácia de lei ordinária destinado a regular matérias de competência interna da Câmara dos Deputados. Costuma ser analisado com celeridade, pois não há a necessidade de que seja apreciado pelas comissões temáticas. No plenário, basta maioria simples.

Diário de um escândalo Confira os desdobramentos das denúncias envolvendo Jaqueline Roriz nos últimos cinco dias: Sexta-feira (4) » Surge um vídeo gravado por Durval Barbosa no qual a deputada federal Jaqueline Roriz (PMN) e o marido, Manoel Neto, recebem um pacote de dinheiro (avaliado em R$ 50 mil) das mãos do delator da Caixa de Pandora. Na gravação com 2´50´´, o casal aparece na sala que ficou famosa por ser o cenário onde os deputados da meia, da bolsa e da oração protagonizaram cenas parecidas com a de Jaqueline. Na ocasião, a parlamentar pede estrutura de campanha. Diz que quer cargos. Durval responde que, em vez dos cargos, conseguiria o dinheiro. Enquanto isso, Manoel Neto pega o dinheiro das mãos de Durval e guarda na mochila.

» No mesmo dia da divulgação do vídeo, Toninho do PSol anuncia que pedirá a cassação da deputada federal por meio de representantes do partido na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), ao saber da existência da gravação, diz que vai pedir informações sobre as denúncias ao Ministério Público.

Sábado (5)

» O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, informa com exclusividade ao Correio que na quinta-feira após o carnaval vai entrar com um pedido de investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as atitudes suspeitas da deputada Jaqueline Roriz. Gurgel considerou as cenas divulgadas ¿fortíssimas¿ e a situação como ¿extremamente grave¿. Segundo afirmou o procurador, ¿as imagens não deixam dúvida do estado da política no DF¿.

» Paralelamente à ação do Ministério Público Federal, promotores de Justiça do DF avaliam a possibilidade de apresentar uma ação de improbidade administrativa contra a deputada federal. Nesse caso, Jaqueline estará sujeita a punições como a perda do cargo, dos direitos políticos, a ter de devolver dinheiro aos cofres públicos e ter os bens indisponibilizados.

» Deputados demonstram pouca disposição em investigar Jaqueline. O líder do DEM na Câmara, ACM Neto (BA), Luciano Castro (PR-RR), Jovair Arantes (PTB-GO) e Ricardo Berzoini (PT) citaram argumento incluído no Código de Ética da Casa segundo o qual investigação por quebra de decoro só abrange atos praticados no curso do mandato. O presidente da Comissão Especial de Reforma Política, Almeida Lima (PMDB-SE), diz que quem deve se posicionar a respeito do caso é a presidência da Câmara.

Domingo (6) » Diante da repercussão do caso, alguns espinhos se colocam na trajetória política da filha do ex-governador Joaquim Roriz. Ela poderá ser alvo de ações penal e cível, está vulnerável a um processo por quebra de decoro parlamentar e terá de enfrentar a reação de seu partido, que pode pedir a expulsão da parlamentar. A renúncia é uma hipótese remota, pois desde a publicação da Lei da Ficha Limpa, em junho de 2010, a renúncia deixou de ser vantajosa para os políticos, pois a norma prevê inelegibilidade de oito anos para o parlamentar que deixa o cargo para escapar de processo por quebra de decoro.

» O deputado federal do PSol Chico Alencar (RJ) cobra uma resposta do corregedor da Câmara e da presidência da Casa sobre o caso de Jaqueline Roriz.

Segunda-feira (7) » Em silêncio sobre o caso Jaqueline desde a sexta-feira, o corregedor da Câmara dos Deputados, Eduardo da Fonte (PP-PE), divulga uma nota na qual afirma que será rigoroso a respeito do episódio. Diz, no entanto, que tomará as providências quando for formalmente provocado e assim que estiver de posse de todas as informações sobre o fato.

» Chico Alencar (PSol-RJ) avisa ao Correio que tão logo as portas da Corregedoria se abram amanhã, ele estará lá com a representação pedindo a abertura de processo por quebra de decoro contra Jaqueline. Alencar critica o corregedor da Casa, dizendo que Eduardo da Fonte deveria tomar a iniciativa de investigar a parlamentar por ofício, sem esperar a provocação de terceiros.

Terça-feira (8) » Pela primeira vez, o governador Agnelo Queiroz (DF) comentou as denúncias envolvendo a filha do meio do ex-governador Joaquim Roriz (PSC). No Ceilambródomo, onde prestigiou o último dia de desfile das escolas de samba, disse que cabe ao Ministério Público, à Justiça e às autoridades policiais investigarem os fatos. Agnelo derrotou Weslian Roriz, mãe de Jaqueline, nas urnas.