Título: Burocracia com crédito prejudica produtores
Autor: Tenório, Roberto
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/10/2008, Agronegócio, p. B10

3 de Outubro de 2008 - A burocracia no acesso ao crédito para custeio da safra 2008/09 deverá bloquear o plano para ampliar em 5% a produção de grãos do governo federal. Até agora, a maioria dos produtores não teve acesso aos R$ 45 bilhões prometidos para o custeio em virtude do excesso de garantias e quitação de dívidas anteriores. Os que conseguiram quitar os débitos antigos, ficam reféns de novos empréstimos e estão sem capital de giro para concluir o plantio. Para os representantes dos produtores, o adiantamento dos R$ 5 bilhões anunciados pelo governo não possuem efeito algum. "No ano passado sobrou R$ 2 bilhões do total e no retrasado, R$ 5 bilhões. Isso prova que não há condições de o produtor acessar todo o crédito e o ministério não consegue refletir a realidade do setor", argumenta Carlos Sperotto, presidente da comissão de endividamento da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ele revela que os R$ 5 bilhões anunciados são o adiantamento da verba para comercialização que seria liberada no final do ano. "Muitos produtores ainda não acessaram o crédito. Já passou a hora de comprar fertilizantes e defensivos e isso vale para o Brasil todo", observa. Não há dados oficiais sobre o volume de crédito oficial de custeio liberado. O Banco do Brasil (BB), que tem 63% de participação no crédito ao agronegócio, liberou até o dia 30 de setembro R$ 4,155 bilhões, 70% mais que em igual período de 2007. No entanto, os produtores que ainda têm algum tipo de restrição de crédito ainda é elevado. Do total de R$ 60 bilhões da carteira agrícola do BB, R$ 15 bilhões têm no saldo todo ou em parte dele prorrogação de dívidas nos últimos quatro anos. Mas, em alguns estados, como em Mato Grosso, um dos maiores produtores do País e o que começa a plantar mais cedo (na segunda quinzena de setembro), o atraso no repasse dos recursos reduziu em 27% o volume de fertilizantes necessário para o plantio da safra de verão, o que corresponde a uma área de 1,5 milhão de hectares, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do estado (Famato). Rui Prado, presidente da associação, enxerga o adiantamento dos recursos como algo positivo, porém, reivindica um prolongamento das dívidas do estado, que vencem no próximo dia 15. "O produtor se endividou muito com perdas provocadas pelo clima e pela ferrugem. Sem contar a queda do dólar. Agora existe o desembolso para o plantio e é impossível pagar a dívida". Segundo disse, a dívida a vencer totaliza R$ 2 bilhões. O presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho, diz que o setor já perdeu R$ 8 bilhões em depósitos à vista neste ano por causa da extinção da CPMF. "O crédito rural ficou mais escasso ainda", afirma. Segundo seus cálculos, as tradings são responsáveis por 52% do crédito rural brasileiro e esse percentual já tinha caído 27% em virtude da escassez de recursos no exterior. "As tradings dependem de recursos de fora e com a crise a situação tende a piorar", prevê. Ele acredita que o setor precise de R$ 20 bilhões para resolver o problema do setor. "O governo está atento, mas com certeza será preciso colocar mais dinheiro", conclui. Pedro Loyola, economista da Federação da Agricultura do Paraná (FAEP), diz que a linha de financiamento adotada pelo governo para a o repasse do adiantamento ainda não foi definida. "O capital está saindo muito devagar. Muitos não conseguiram negociar as dívidas e possuem restrições", conta. Nelson Paludo, produtor da região de Toledo (PR), que planta soja, milho e trigo em propriedade de 270 hectares, confirma os problemas. "Teve gente que comprou máquina em fevereiro e até agora está sem recurso para financiar". Ele conta que a queda do dólar prejudicou os agricultores "A queda foi muito forte e reduziu o poder de pagamento". Situação complicada vive o produtor da região de Castro (PR), Anderson Taques Moreira Castro. Na propriedade de 700 hectares em que planta soja milho e feijão, cujo cultivo está atrasado por falta de recursos. "Liquidei dívidas para ter acesso ao crédito e agora estou sem capital de giro. Com certeza o custo será bem superior quando for comprar os insumos que faltam".Independente da burocracia, os recursos anunciados pelo governo são insuficientes, avalia Pedro Arantes, assessor econômico da Federação da Agricultura de Goiás (Faeg). Neste estado, as tradings, que financiavam 40% da necessidade de crédito, cortaram os empréstimos pela metade e, o oficial, que responde por outros 30%, liberaram até agora um terço do volume esperado. Os produtores goianos devem cultivar 3,7 milhões de hectares, entre soja, milho e algodão, a mesma área de 2007/08. Para cultivar, o estado todo precisa de R$ 6 bilhões. "Neste momento, ainda faltam R$ 2,2 bilhões. Se o governo liberar toda a sua parte, ainda precisaremos de R$ 1,2 bilhão", pondera Arantes. Somando-se esses R$ 1,2 bilhão da necessidade de Goiás, há ainda outros R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões que faltam para Mato Grosso, segundo estimativas do mercado, o que já significa R$ 3,7 bilhões. Seneri Paludo, superintendente do Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea) explica que o problema no estado é maior no que se refere a crédito, porque o crédito oficial, por exemplo, cobre apenas 9% da necessidade de financiamento da safra mato-grossense. Em Goiás, por exemplo, esse percentual é de 30%, uma vez que o tamanho médio das propriedades é menor, o que aumenta a cobertura por crédito oficial, com juros controlados. "Além do endividamento dos produtores, que limita o acesso a crédito, também há outras restrições de crédito impostas por medidas ambientais para os produtores que estão no bioma amazônico", diz Seneri. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 10)(Roberto Tenório e Fabiana Batista)