Título: Inflexão da crise é retomada da confiança
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/10/2008, Finanças, p. B5

São Paulo, 6 de Outubro de 2008 - Quando o assunto é a turbulência provocada pela crise no mercado financeiro dos Estados Unidos, o economista e ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, de 79 anos, é claro e direto: "os problemas estão longe do fim". A volta do sistema à normalidade carece de muito mais do que as medidas do plano de socorro finalmente aprovado pelos deputados norte-americanos na última sexta-feira. Para Delfim, os culpados pelo desastre global são todos que estiveram à frente do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) e do Tesouro na gestão atual e nas anteriores e defenderam a não-regulação de Wall Street. O momento oferece um rico encontro entre a teoria e a prática econômicas, e deve gerar novas possibilidades em ambos os níveis. O resultado, diz, é o aperfeiçoamento das instituições e uma nova realidade social, que ainda originarão problemas econômicos inéditos. Gazeta Mercantil - Como o senhor avalia o atual estágio da crise norte-americana? A crise está se desenvolvendo de uma maneira pior do que a gente imagina. Todos esperavam que o Congresso dos EUA aprovasse o projeto mais rápido. A espera da aprovação dificultou ainda mais a questão. Gazeta Mercantil - O senhor tem afirmado que esta crise reúne a teoria econômica e a realidade. Qual deve ser o resultado disso?O desfecho habitual: instituições mais aprimoradas pelos teóricos e novas realidades que vão produzir novos desafios. Gazeta Mercantil - E qual o papel da política nesta dinâmica? O desenvolvimento da economia, em variados graus, pode ser obtido dentro de vários regimes políticos. No regime democrático, com eleições livres e sistema jurídico eficiente, o processo pode ser aprimorado pela regulação que impeça manobras oportunistas dos eleitos. O Banco Central, desde que autônomo, cumpre este papel na área monetária. No caso americano, há dificuldades políticas imensas como a questão do Fed, em que três diretores não foram nomeados, gerando uma verdadeira concentração de poder na mão do [Ben] Bernanke. Gazeta Mercantil - Haveria outra solução além do pacote aprovado? Ninguém teria outra saída muito melhor. Este tsunami mistura a situação econômica com a situação política. Gazeta Mercantil - Alguns analistas dizem que Obama e McCain não seriam estadistas à altura desta encrenca. Como o senhor vê os candidatos à Presidência dos EUA diante da crise? Quem está dizendo isto ou tem muita informação ou é um idiota. Acho que são candidatos normais, como todos os que concorrem à presidência. Não vejo sentido nesta má avaliação sobre a competência de ambos. Gazeta Mercantil - Esta é uma das mais sérias crises que o mundo já viu? Esta é uma crise muito séria, porque corre o risco de se tornar sistêmica e atingir o setor real [da economia] de maneira grave. Mas não é a maior crise, que continua sendo a de 1929. Gazeta Mercantil - A aprovação do pacote é o ponto de inflexão desta crise?Não, o pacote é importante, mas não tem força. A virada será tão somente quando o sistema financeiro restabelecer confiança. Gazeta Mercantil - A compra dos títulos podres prevista no pacote e o aumento da liquidez não seriam marcos mais importantes para o sistema financeiro? São importantes, sem dúvida. Mas esta crise não será resolvida com liquidez, nem com intervenções tópicas. Apenas quando se reestabelecer a confiança dos agentes nos outros agentes. É disto que se trata. Os mercados, especialmente o financeiro, funcionam em um ambiente de gás invisível, catalítico, que é a confiança. Eu confio em você, você confia nele, ele confia em mim, portanto eu posso emprestar para você, que usa adequadamente os recursos. Só quando esta dinâmica for retomada, e acho que levará algum tempo, é que a crise começará a ceder. Gazeta Mercantil - Quais os impactos desta crise no Brasil? Na realidade, o Brasil está hoje numa situação um pouco melhor do que esteve, mas não se isolou do mundo. A conseqüência mais grave para o País é que haverá redução do crescimento. Gazeta Mercantil - Este crescimento mais modesto afetará as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)? Depende muito do próprio ritmo do crescimento. O PAC depende de obras fundamentais e de recursos do governo. Gazeta Mercantil - São obras caras, muitas dependentes de financiamento externo... Sim, mas também há que se considerar a dependência do setor privado, se os empresários conseguirão o crédito para cumprir aquilo que estão prometendo. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 5)(Leda Rosa)