Título: O socorro ao sistema financeiro global e o País :: Antonio Corrêa de Lacerda
Autor: Lacerda, Antonio corrêa De
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/10/2008, Opinião, p. A3

10 de Outubro de 2008 - Apesar da aprovação do plano de socorro ao sistema financeiro na Câmara dos Deputados dos EUA na última sexta-feira, 3 de outubro, as expectativas, levando em conta o comportamento dos mercados mundiais, continuaram a deteriorar-se. Há uma percepção, cada vez maior, de que o socorro ao mercado financeiro norte-americano veio tarde e que ainda não há clareza a respeito da sua operacionalidade, especialmente no que se refere à precificação dos ativos "tóxicos". O segundo ponto de deterioração das expectativas está no mercado europeu. Esperava-se maior ênfase e medidas efetivas, a partir do encontro dos principais líderes da Zona do Euro, no último fim de semana. No entanto, o que prevaleceu foi um discurso considerado pouco convincente e que não leva em conta uma ação coordenada dos países membros do bloco. O terceiro ponto de estresse está na divulgação de indicadores negativos do desempenho da atividade econômica. A Europa já tem vários países em recessão e os EUA e o Japão apontam para estagnação. Todos esses efeitos combinados têm minado a confiança do sistema financeiro internacional. Há uma "preferência pela liquidez", ou seja, uma busca de ativos líquidos e seguros (títulos do Tesouro norte-americano, principalmente). Isso faz com que o sistema de crédito e financiamento trave, trazendo impactos de curto prazo para a economia. O senso de urgência e capacidade de manejo das autoridades monetárias mundiais serão determinantes para reverter a crise de confiança e restabelecer o funcionamento do mercado de crédito internacional. Na Lei de Estabilização Econômica de Emergência 2008, aprovada pelos Congresso americano, o plano de socorro pode atingir um dispêndio total de US$ 850 bilhões, dos quais o Tesouro dos EUA utilizará imediatamente US$ 250 bilhões de um total que pode chegar, mediante autorização do Congresso, a cerca de US$ 700 bilhões, para adquirir títulos "tóxicos", ou seja, papéis associados a hipotecas inadimplentes, visando a sanear a carteira dos bancos, seguradoras e outras instituições financeiras. O objetivo é "limpar" o mercado, injetando liquidez na economia. Os demais US$ 150 bilhões restantes serão utilizados para financiar a redução de impostos e a prorrogação de créditos fiscais, beneficiando os tomadores finais. Houve aumento das garantias ao correntista americano, com a elevação do limite do seguro federal para depósitos em conta corrente de US$ 100 mil para US$ 250 mil. O pacote aprovado também incluiu uma cláusula de limitação de remuneração de executivos das instituições beneficiárias (inclusive sobre bônus de saída), um dos pontos de maior resistência, na versão anterior do documento. Com o agravamento da crise no sistema financeiro internacional, as autoridades legislativas se viram pressionadas a aprovar a intervenção estatal, buscando atenuar os efeitos da crise de liquidez e de confiança no sistema. Na Europa, alguns bancos também demonstraram problemas de liquidez e necessitaram de financiamento do Banco Central Europeu (BCE). Tanto o Federal Reserve (Fed) quanto o BCE têm intervido no mercado financeiro, injetando liquidez, com operações no mercado aberto, redução dos depósitos compulsórios e criação de linhas de créditos e refinanciamentos para as instituições financeiras para controlar a volatilidade presente nos mercados. A volatilidade nos mercados financeiros tem sido causada pela percepção de baixa liquidez e a expectativa negativa sobre o grau de solvência das instituições financeiras, configurando-se numa crise de confiança no sistema financeiro internacional. Outro problema é que a crise no sistema financeiro já afeta o setor real. Os EUA ainda não estão tecnicamente em recessão, porém o aumento do desemprego (169 mil postos de trabalho reduzidos somente em setembro) é um indicador que a economia pode se encaminhar a um processo recessivo. Na Europa, vários países já estão em recessão. A atual crise exige que as autoridades financeiras dos EUA, Zona do Euro e Japão devem agir rápida e coordenadamente para restabelecer a confiança e evitar maiores impactos sobre a economia real. Os países da União Européia (UE) anunciaram o aumento da garantia de depósitos de 20 mil euros para, pelo menos, 50 mil euros para tranqüilizar os correntistas e evitar uma corrida bancária. A recém-anunciada redução das taxas de juros pelos bancos centrais dos EUA e Europa também aponta para uma maior coordenação de ações conjuntas. E o Brasil ? Diante do agravamento da situação internacional, o Banco Central (BC) e o Ministério da Fazenda (MF) vêm tomando medidas para evitar um contágio maior sobre o sistema de crédito e no mercado cambial. O BC já havia mudado, na semana passada, as regras dos depósitos compulsórios e em 6/10 promoveu nova alteração. As instituições financeiras que emprestarem para outros bancos gozarão de desconto de até 40% do valor de seu compulsório. A estimativa é que a medida libere R$ 23,5 bilhões ao mercado, diminuindo o "empoçamento" da liquidez. No mercado cambial, outra medida adotada pelo BC para elevar a liquidez do mercado foi a atuação por meio de instrumentos (swap cambial reverso) e operações de venda de dólares com compromisso de recompra, com o objetivo de proteger as empresas contra a alta do dólar. Para aumentar o crédito e estimular as exportações brasileiras, foram anunciadas ontem duas medidas: (1) abertura de linha de crédito adicional com a compra de títulos pelo governo em troca de dólares; e (2) reforço em US$ 5 bilhões na linha de crédito, chamada pré-embarque, do BNDES. Em 7/10 o governo ampliou a atuação do BC por meio da edição da MP 442. Com as medidas, o governo brasileiro está buscando minimizar os efeitos da crise de liquidez internacional e manter a economia brasileira na trajetória de crescimento econômico. A reação, ainda que um tanto tardia, é positiva por demonstrar "espírito de prontidão" das autoridades. No entanto, a sua eficácia ainda vai depender da reação dos agentes envolvidos, no Brasil e no exterior. A crise internacional vem se agravando e provoca impactos na economia de todos os países. No entanto, apesar das turbulências de curto prazo, o Brasil está em melhores condições para enfrentar os seus efeitos. Para isso, serão determinantes a qualidade e timing correto das decisões de política econômica. kicker: A reação do Brasil tem sido positiva, demonstrando "espírito de prontidão" (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ANTONIO CORRÊA DE LACERDA* - Professor-doutor do departamento de Economia da PUC-SP. Próximo artigo do autor em 11 de novembro)