Título: Ex-militantes comemoram 40 anos do 30º- Congresso da UNE
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/10/2008, Política, p. A10

Brasília, 10 de Outubro de 2008 - Um dos episódios mais fortes na linha do tempo que separa os anos de chumbo da democracia, o XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) de Ibiúna, encerrado com uma ação policial que levou para a cadeia mais de 700 estudantes no dia 12 de outubro de 1968, ainda é um capítulo aberto na conturbada história política brasileira: dezenas de estudantes, mortos nas cidades e no campo, ainda figuram na lista de desaparecidos políticos, embora tenham se transformado em mártires da geração que conseguiu chegar ao poder, mas que ainda não encontrou forças para esclarecer o paradeiro de 133 ativistas mortos pelo regime militar. "Ibiúna está inserido no momento dos grandes sonhos e ideais revolucionários", diz o então presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE) do Ceará, José Genoíno Neto, um estudante de 22 anos à época, hoje deputado federal no sexto mandato pelo PT paulista. Militante do PC do B no conturbado período, Genoíno simboliza a guinada do movimento estudantil à luta armada: preso, foi levado para o Presídio Tiradentes, em São Paulo, depois transferido para o Ceará. Poucos dias depois, engrossava a coluna de jovens estudantes que migraria para a região do Bico do Papagaio, na época uma inóspita área da selva amazônica na confluência entre Pará, Goiás e Maranhão, onde seu partido organizava a Guerrilha do Araguaia, movimento que impôs a mais forte resistência à ditadura. A repressão ao congresso dispersaria o movimento, mas acabaria jogando os estudantes nos braços das organizações de esquerda que recrutavam militantes para a luta armada. Ao ouvir pelo rádio a notícia das prisões, o dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella, reagiu com uma eufórica profecia. "Ele disse que os estudantes compreenderiam que essa história de insistir em organizar centros acadêmicos de nada adiantaria. E previu que muitos estudantes entrariam para a luta armada", conta o jovem que dirigia o automóvel, uma Rural Willis, o ex-ministro da Justiça, ex-deputado e atual chefe da Casa Civil do governo paulista, Aloísio Nunes Ferreira. Morto um ano depois, Marighella acertara. Encarcerado por força das prisões preventivas ou, dois meses depois, pelo Ato Institucional número 5 (AI-5) mergulharam na clandestinidade. Os principais dirigentes sairiam da cadeia rumo ao exílio um ano depois por acordo de troca com o regime, depois que um dos estudantes presos em Ibiúna, o então vice-presidente União Metropolitana dos Estudantes, do Rio, Franklin Martins, teve a idéia de seqüestrar autoridades estrangeiras para forçar a libertação de ativistas presos. Hoje ministro das Comunicações do governo Lula, Franklin e os também jornalistas Cid Benjamin e Fernando Gabeira foram parceiros no planejamento do mais ousado ato contra o governo, o seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em setembro de 1969, 11 meses depois da queda de Ibiúna e nove após a edição AI-5, que mergulharia o país na ditadura. Abraçada pela ALN, a ação resultou na libertação, entre outros ativistas, de dois personagens que viraram estrelas no cenário político nacional: o ex-ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil no primeiro mandato de Lula, e do ex-deputado e dirigente do PT no Rio, Vladimir Palmeira. Junto com eles, também egresso de Ibiúna, seguiu para o exílio o então presidente da UNE, Luiz Travassos, que em 1982 morreria num acidente automobilístico no Rio. "Tudo aconteceu no contexto da resistência a uma ditadura que fazia um terrorismo aberto e sanguinário", diz Franklin Martins. "Ibiúna ocorreu no momento das grandes lutas estudantis e marca a radicalização de uma ditadura intolerante, que não conseguia conviver com simples manifestações. O povo nunca aceitou e os estudantes decidiram ir à luta. A juventude jogou um papel decisivo na conquista da democracia. O que tem hoje no Brasil não caiu do céu", lembra o ministro. Deputado cassado, réu no processo que julga no Supremo Tribunal Federal (STF) o caso do mensalão ao lado de Genoíno, Dirceu é dirigente nacional do PT, consultor e continua fazendo política através de seu blog na internet e em assembléias do PT. "Duas diretrizes nortearam a organização de Ibiúna. A principal delas, continha as bandeiras específicas dos estudantes, o ensino público e gratuito, a solução dos problemas dos excedentes, a universalização do ensino público, universidade para todos. E, evidente, havia o lado político, da resistência à ditadura, como derrubá-la o mais rápido possível, dentro daquela ansiedade, do arroubo e do lirismo - às vezes até um pouco de ingenuidade - que marca toda empreitada desencadeada por jovens", lembra Dirceu. Por uma ironia do destino político, o segundo turno das eleições do Rio separou os dois companheiros unidos pelo seqüestro. Liberto pela ação em que Gabeira participou e ajudou a planejar, Vladimir Palmeira, ex-deputado e hoje dirigente do PT, está apoiando o candidato do PMDB, Eduardo Paes. Também preso em Ibiúna, onde foi o principal organizador da logística do congresso e, mais tarde, um dos principais executores do seqüestro de Elbrick, o economista Paulo de Tarso Venceslau foi expulso do PT e atualmente dirige um jornal no interior paulista. Entre os presos de Ibiúna, ainda estão na política o ex-deputado Sérgio Miranda, ex-PC do B e hoje dirigente do PDT em Minas Gerais, o diretor do Banco do Nordeste, Oséas Duarte e o economista Jean Marc Von des Weid que, em 12 de outubro de 1968, disputaria com Dirceu a presidência da UNE. Atualmente dedicado a estudos sobre alimentação no governo Lula, Jean Marc é membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e da Assessoria e Serviços em Agricultura Alternativa (ASPTA). Duas estudantes do Rio presas em Ibiúna, Lúcia Murat e Ana Bursztyn, hoje exercem papel relevante fora da política: Lúcia é cineasta e Ana, bióloga da UFRJ e dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais, no Rio. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(Vasconcelo Quadros)