Título: Reforma viabilizará combate à corrupção
Autor: Quadros, Vasconcelos
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/10/2008, Nacional, p. A7

13 de Outubro de 2008 - No duro esforço de emplacar um projeto de reforma política em um Congresso que já titubeou diversas vezes em mudar as regras do jogo político, o ministro da Justiça, Tarso Genro, acredita que o sistema eleitoral brasileiro está esgotado e precisa mudar antes do pleito de 2010 para que o combate à corrupção continue a avançar no País. Nessa mesma linha, Genro sai em defesa da Polícia Federal, mas não a poupa de críticas quanto à espetacularização de suas ações e dá os caminhos para uma reforma da instituição que deve se completar somente em 20 anos. Gazeta Mercantil - Quais os reflexos destas eleições em 2010? Essas eleições são as mais importantes depois da Constituição de 1988 e elas demonstram a força das instituições democráticas, mas também o esgotamento do sistema político atual. Acho que a grande lição que se tira das eleições, além do fato de que a democracia no Brasil está estável e reforçada, é que é necessária uma profunda reforma política. Gazeta Mercantil - O que deve mudar? Temos um elenco de propostas que colocamos em discussão de maneira reservada. Vai desde o financiamento público à verticalidade das alianças, uma nova regulação para a fidelidade partidária, a votação em lista, uma cláusula de barreira que reduza pela metade os partidos, a não integração de tempo de televisão nas alianças locais, para que se reforce a visão nacional dos partidos e não o comércio das siglas. Gazeta Mercantil - Entra voto obrigatório nessa discussão? Não, não entra. Gazeta Mercantil - Quando o senhor fala que o sistema político atual está esgotado, qual é o principal sintoma disso? Para mim vem de dois fatos, principalmente. O primeiro deles é a ausência de uma relação programática-ideológica nas alianças locais e regionais. São alianças normais e aceitáveis no regime democrático, mas são predominantemente inspiradas na caracterização paroquial dos partidos. Não que haja paróquia partidária, não acredito nisso. Ou seja, é uma visão contingente e não uma visão nacional. E a segunda questão é que o financiamento das campanhas se torna cada vez mais custoso e isso proporciona disputas muito desiguais. Gazeta Mercantil - Falando em financiamento público, quanto o governo gasta em cada eleição e qual seria o patamar necessário nesse possível novo cenário? Acho que o governo gasta muito mais no sistema atual, que não só proporciona uma cobrança ilegal, depois, como também vincula eventualmente a liberação de recursos que nem sempre são prioridades para cada região ou para cada cidade. Ele perverte a Federação e não favorece o fortalecimento de um compromisso democrático dos partidos com o Estado. Até agora, esse sistema levou bem a democracia brasileira. Mas a partir deste momento já se torna um obstáculo. Gazeta Mercantil - Será necessário implementar mudanças no sistema já para 2010? Defendo que sim. O governo defende que sim. Queremos mandar os projetos até o fim de novembro e lutaremos para votar no primeiro semestre do ano que vem. Gazeta Mercantil - Esta medida deverá ser tomada por que a partir de 2010 a questão do financiamento se tornará mais grave? Porque esses vícios vão se entranhando cada vez mais na cultura política do País. Aquilo que era uma necessidade de uma transição democrática, começa a se transformar num costume e numa cultura. A partir disso, as pessoas começam a fazer cada vez mais alianças e obter cada vez mais financiamento vinculado a questões puramente paroquiais e a interesses localizados e o partido perde a sua verticalidade programática-ideológica, como deve ocorrer numa democracia de partidos. Gazeta Mercantil - O fim do governo Lula se converterá no início de um novo ciclo? Não chegaria a essa ousadia de ser um novo ciclo, mas diria que, por tudo que foi feito dentro da Constituição de 1988, por todos os governos e por todos os partidos, pegando seus aspectos positivos, em todos eles, poderíamos colocar a democracia brasileira num novo patamar civilizatório em 2010. Com reformas como essas ou equivalentes a essas, é possível chegar a isso. Gazeta Mercantil - Em relação à Constituição, 20 anos depois, qual é a avaliação que o senhor faz dela e o que seria necessário em termos de reforma? A Constituição de 1988, no Brasil, é um marco extraordinariamente positivo. Tem determinados exageros como, por exemplo, a colocação de determinados direitos trabalhistas como norma constitucional, o que é compreensível para a época. Hoje é totalmente redundante ter isso na Constituição, sabendo que existe toda uma trama legal de proteção aos direitos dos trabalhadores. Outro aspecto que eu acho problemático é que ela outorga determinados deveres para a União Federal e cria determinados direitos mas não cria as instituições e a base de recursos necessários para o cumprimento dessas obrigações. Gazeta Mercantil - Do jeito que está, o sistema político brasileiro favorece a corrupção? Acho que sim. Acho que o sistema político atual favorece, independentemente da vontade dos indivíduos que participam da representação política, favorece tanto os maus costumes como a corrupção. Isso não é um depoimento negativo sobre a classe política. Isso é um depoimento negativo sobre o sistema. Gazeta Mercantil - Alguns especialistas na área de segurança acham que há um certo temor de arrefecimento no combate à corrupção. O senhor acha que a Polícia Federal perdeu um pouco a força? Pelo contrário, as pessoas que dizem isso eram adoradoras, provavelmente, do espetáculo que era montado em cada operação. E esse espetáculo não foi montado malevolamente por ninguém, nem pela Polícia Federal nem pelos diretores da Polícia Federal. Era um espetáculo que compartilhou de uma grande disputa política dos primeiros anos do governo do presidente Lula. Então havia uma rédea solta para montá-lo por meio de uma mídia que era massivamente oposicionista. Houve uma espetacularização da luta contra as ilegalidades e a corrupção. Gazeta Mercantil - Houve exageros da própria polícia. Isso aí gera protagonistas dentro da própria polícia. O que está ocorrendo agora? Como a Polícia Federal hoje dirige as suas ações para todas as classes sociais, para todas as pessoas, independente de partido político, para todos os entes federados, onde tem recursos da União envolvidos - seja União, estado ou município - houve uma reação a essa espetacularidade do sistema eleitoral brasileiro. Gazeta Mercantil - Com os quais, aparentemente, o senhor não concorda. Não faz mal que seja para proteger. É que temos que transformar. Esses direitos e questões de emenda foram direitos universais. E é o que estamos fazendo. É possível perceber que depois que assumi cortei a espetaculosidade, com um intervalo que houve na operação Satiagraha, deliberadamente montada por alguém como espetáculo. Não se sabe quem, está sendo investigado. Mas depois voltou-se ao leito normal, novamente. Isso foi um equívoco, na minha opinião, de quem fez aquele cenário. Gazeta Mercantil - O senhor acha que é um período de acomodação? Não há acomodação, há uma eficácia maior, inclusive. Veja o que se fez no Rio Grande do Sul, no Nordeste e no centro do País. Só que foram operações que tiveram uma maior discrição. E a Polícia Federal está tendo a cautela, agora, de trabalhar os inquéritos de uma maneira mais focada. Isso está aumentando o número de inquéritos. Gazeta Mercantil - O senhor tem um parâmetro, hoje, ministro? Não, não tenho. É isso que está sendo feito. Gazeta Mercantil - Como? O pessoal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que está fazendo um Sistema de Controle de Implementação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), onde terei, quando quiser, o estado dos projetos do Pronasci em todas as cidades em que ele está sendo aplicado. Cada um dos projetos e os índices também totalizados. Gazeta Mercantil - Qual é a importância de um instrumento desses? A partir dele, podemos verificar quais são as possibilidades de aumentar o combate à corrupção e portanto preservar a imagem do Estado brasileiro, e verificar inclusive se a tecnologia investigativa, se o tipo de ações que a Polícia Federal faz, se o número de pessoal que ela tem são suficientes para isso. Então nós vamos ter um resultado efetivo da corporação como ela está hoje. Para obtermos um resultado melhor, teremos que criar tais e tais condições. Isso está dentro de um plano estratégico geral da Polícia Federal para os próximos 20 anos, ou até o ano 2022. Gazeta Mercantil - Essa Polícia Federal de 2022 vai ter autonomia maior? O que o senhor vislumbra? Autonomia, a Polícia Federal tem. Há uma grande discussão, hoje, na PF, na sociedade, nos juristas, sobre o que é essa autonomia e uma discussão, inclusive, se a Polícia Federal seria um poder soberano, quase como é o Ministério Público. Não tem a menor possibilidade de ela se transformar em um poder soberano. A polícia estatal nacional que se torna um poder soberano gera um estado policial, porque ela só responde para si mesma. Gazeta Mercantil - Deve haver mandato não coincidente com eleições, para a direção da PF? Se depender de mim, não, porque a Polícia Federal tem que estar subordinada a uma determinada chefia. Ela é uma polícia do Executivo, então vai ter de se subordinar ao presidente da República. Se me perguntar: mas quem sabe, então, a demissão dentro de um determinado período, que um convite valha dois anos e que dentro desse período, se tiver que ser demitido, só possa ser afastado pelo presidente? Isso é possível, na minha opinião. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Vasconcelos Quadros e Karla Correia