Título: Crise interrompe maior ciclo de expansão da AL desde anos 60
Autor: Lavoratti, Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/10/2008, Nacional, p. A6

São Paulo, 15 de Outubro de 2008 - O Brasil e os vizinhos da América do Sul tendem a sentir menos - em relação aos demais países da América Latina - os efeitos da crise financeira global, mas mesmo assim sua atividade econômica será afetada significativamente, no médio e longo prazos, pela escassez de crédito e instrumentos de financiamento do desenvolvimento. Essa é a previsão inicial da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), com sede em Santiago (Chile).

Segundo o diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Comissão, Osvaldo Luis Kacef, a América do Sul tende a ser menos afetada que os países centro-americanos e inclusive o México, pois estes terão um problema adicional - além da falta de crédito, sentirão mais a recessão na maior economia mundial, pela proximidade física dos Estados Unidos, o que determina uma maior troca comercial e dependência de renda da população.

Embora evitando projetar uma taxa de crescimento para o Brasil no ano que vem, alegando indefinição dos cenários, Kacef disse ontem a este jornal que com o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil vai acontecer o mesmo esperado para toda a região. "Não temos um número fechado, mas o PIB brasileiro será muito menor que a taxa de incremento esperada para 2008, que é de 5%", afirmou. Para toda a América Latina, o crescimento deverá cair de uma faixa considerada razoável, entre 4,5% e 4,7% neste ano, para algo em torno de 3,5%, segundo o diretor da Cepal.

Dentro desse contexto, o Brasil está bem preparado para atravessar a crise. "O País tem de se preocupar mais com o impacto no mercado financeiro e a decorrente falta de financiamento do que com outros canais de contaminação da economia real", enfatiza Kacef. "Mas as recentes medidas do Banco Central para compensar a escassez de crédito estão indo na direção certa, de preservar o acesso das empresas a empréstimos bancários e, com isso, manter a economia andando", acrescentou Kacef. O Brasil também não escapará do atraso que vai significar a redução de financiamentos para projetos de longo e médio prazos.

Trajetória interrompida

O diretor da Cepal lembra que a crise dos mercados financeiros surgida nos Estados Unidos e depois espalhada pelos mercados europeus veio interromper um ciclo de crescimento econômico contínuo somente verificado no final dos anos 60 na região. No período de 2003 a 2008, o PIB per capita dos latino-americanos subiu a taxas anuais de 3% ao ano. Mesmo assim, esse patamar está abaixo do alcançado pelos emergentes (6,5% a 7% neste ano), puxado pelas elevadas taxas alcançadas pela China e Índia.

"Toda essa bonança está sendo interrompida a partir de agora e por um espaço de tempo ainda imprevisível", diz Kacef, economista argentino que fez parte de sua formação acadêmica no Brasil. A taxa de desemprego na América Latina, que neste ano ficará menor (7,5% da População Economicamente Ativa) em comparação à registrada em 2007 (8%), muito provavelmente deixará de cair em 2009. "Além da redução do emprego, nos últimos anos os novos postos de trabalho criados foram de melhor qualidade, com cobertura de saúde e previdência social", conta Kacef. O quadro de piora no emprego e renda indica que a pobreza vai aumentar.

Nessa conjuntura, a Cepal recomenda que os países façam um esforço fiscal extra para ampliar os investimentos sociais. Na maioria deles já começou a revisão dos orçamentos para o próximo ano. O Congresso brasileiro, por exemplo, se mostrou disposto a ajudar o governo a elevar o superávit primário em 2009 (saldo das receitas em relação às despesas, sem considerar os juros da dívida pública), criando, na lei orçamentária uma reserva especial destinada ao pagamento de juros e encargos da dívida pública. O mecanismo está sendo discutido desde ontem na Comissão Mista do Orçamento.

Carona

A América Latina se beneficiou de várias maneiras da onda de crescimento continuado da economia mundial nos últimos anos. Em primeiro lugar, aproveitou o aumento do fluxo de comércio para incrementar as exportações, ajudadas pela melhora dos preços dos principais itens da pauta de vários países da região. Alguns países, especialmente os centro-americanos, foram bastante ajudados pelo aumento das remessas de recursos dos trabalhadores que migraram para os Estados Unidos e outras nações desenvolvidas.

Essa fonte de renda da população é importante em El Salvador, Honduras, Nicarágua, Guatemala, República Dominicana e Haiti, além da Jamaica e Granada. Em todos esses países, esses recursos correspondem a fatias do PIB que variam entre 10% (República Dominicana e Guatemala) e 30% do PIB, caso do Haiti. "O primeiro impacto na economia real será sentido por aí", salienta Kacef.

Outra característica desses anos de boas taxas de incremento do PIB na região foi a melhora geral nas condições internacionais de financiamento, com taxas de juros em trajetória de queda e ampliação de do crédito. "Os países aproveitaram os excedentes em seus balanços de pagamento para abater ou renegociar em condições mais confortáveis a dívida de curto prazo, a juros fixos. Hoje os países têm uma dívida não apenas menor, mas também com um perfil melhor", ressalta o diretor da Cepal.

Ao mesmo tempo, houve uma elevação das reservas internacionais, bem como a aplicação de políticas macroeconômicas mais saudáveis. "Essa conjunção de fatores torna a região mais preparada para enfrentar os impactos dessa crise, que por isso mesmo não causará tanto estragos como situações semelhantes vividas no passado", acrescenta o diretor da Cepal.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Liliana Lavoratti)