Título: Greenpeace acusa INB de contaminação por urânio
Autor: Scrivano, Roberta
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/10/2008, Infra-Estrutura, p. C5

São Paulo, 17 de Outubro de 2008 - A organização ambientalista não-governamental Greenpeace anunciou ontem que detectou contaminação por urânio na água potável de Caetité, no sertão da Bahia, local em que a Indústria Nucleares do Brasil (INB) mantém trabalhos de extração do minério, para depois ser transformado em combustível nuclear.

"O caso mostra que os impactos e riscos da energia nuclear começam na origem do combustível que alimenta as usinas de Angra dos Reis (Angra 1 e 2) e o Programa Nuclear Brasileiro", diz Rebeca Lerer, coordenadora da campanha de Energia Nuclear do Greenpeace. A denúncia da ONG vem no momento em que o governo brasileiro reativa seu Programa Nuclear com a retomada das obras de Angra 3 e o anúncio da construção de outras quatro centrais nucleares.

No entanto, Otto Bittencourt Netto, diretor de recursos mineirais da INB, rebate as acusações. "De dois em dois meses a INB colhe água da região para ser examinada e os resultados são submetidos à avaliação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) e do CNEN (Conselho Nacional de Energia Nuclear)", comenta o executivo, que garante: "Nunca houve contaminação de água por nosso trabalho de mineração de urânio, mas o Greenpeace precisa entender que aquele local é uma província de urânio que naturalmente pode ter contaminado a água de onde eles examinaram".

Bittencourt Netto salienta ainda que os trabalhos de extração naquela mina começaram há dez anos. "Nós monitoramos a região, que é de nossa obrigação, e os níveis de urânio são normais". Segundo ele, o minério está naquela região há 700 milhões de anos. "Se você cavar um poço por lá, a água vai ter traços de urânio".

Segundo Rebeca, a acusação do Greenpeace é baseada em um levantamento feito pela ONG com investigações in loco que duraram oito meses. "Fizemos visitas a Caetité e recolhemos amostras de solo e da água usada para consumo humano e animal nas torneiras das casas, poços, lagoas e fontes", explica a ativista. Rebeca diz que foram encontrados níveis de urânio até sete vezes superiores ao estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). "A denúncia é muito grave e reforça a necessidade de uma investigação urgente sobre a qualidade da água e as condições de saúde da população que vive no entorno mina da INB", diz Rebeca, que afirma que a denúncia vai ser encaminhada para o Ministério Público Federal e para o governo da Bahia, pedindo uma investigação independente e a suspensão da outorga do uso de água da empresa estatal INB.

Bittencourt Netto explica que uma das normas que precisam ser cumpridas pela INB para a extração é a instalação de poços para análise da água a alguns metros da mina. "Não sabemos como nem onde foi feita a coleta e análise da água pelo Greenpeace", argumenta. Ele afirma ainda que as pesquisas da ONG foram realizadas há cerca de 7 quilômetros de distância da mina. "Repito que aquela região é uma província de urânio. Trata-se de algo natural que está na terra, se a água está contaminada naqueles locais é por algo natural", reforça.

O Greenpeace diz que as amostras foram enviadas para um laboratório independente no Reino Unido, sem revelar o nome da instituição. De acordo com os ambientalistas, o acúmulo de urânio não-refinado no organismo humano pode, ao longo dos anos, afetar a medula óssea, causar câncer e gerar problemas renais.

Bittencourt Netto, por sua vez, garante que o processo de retirada do urânio da mina é seguro. "Não há fundamento no relatório do Greenpeace. Não há evidências científicas de que o urânio cause doenças", afirma. O executivo diz também que, por precaução, a INB encomendou um estudo ao Instituto Oswaldo Cruz para que seja feita uma comparação da quantidade de ocorrência de câncer na região e nos municípios vizinhos. "Trabalham mais de 300 pessoas na mina e nenhuma delas teve problemas de contaminação", afirma.

O diretor de mineração da INB explica que o urânio sai da mina de Caetité com destino ao Canadá. "Naquele país o minério é transformado em gás e, de lá, vai para a Europa para ser enriquecido, depois volta para o Brasil, onde vira pastilha para alimentar Angra 1 e 2", revela.

Retomada do programa

No início do segundo semestre de 2007, o governo federal aprovou a retomada de Angra 3, que irá gerar até 1,3 mil megawatts. Além disso, o governo estima construir, até 2030, quatro novas centrais nucleares. Pelo menos duas das novas unidades deverão ser construídas na região Nordeste do País e as outras duas na Sudeste. Até o momento, quatro estados se propuseram a abrigar as usinas: Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.

Segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil tem a sexta maior reserva de urânio (combustível das usinas nucleares) do mundo, tem tecnologia própria de processamento, parque industrial do setor ocioso e centro de pesquisas bem montados.

Apesar dos fatores positivos, a grave crise econômica enfrentada pelo Brasil nas décadas de 1980 e 1990, e a forte reação contrária ao setor nuclear depois do acidente da usina de Chernobyl, na Ucrânia, afastaram o País do programa que está sendo retomado. As dificuldades encontradas para operar as usinas em ritmo de normalidade também jogaram água em planos de expansão.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 5)(Roberta Scrivano)