Título: Evangélicos planejam disputar a Presidência
Autor: Correia, Karla
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/10/2008, Política, p. A13
Brasília, 20 de Outubro de 2008 - Coordenador político da Confederação Nacional dos Evangélicos, o pastor Ronaldo Fonseca mostra com orgulho o estatuto do partido que pretende criar como representação política da Assembléia de Deus. Seu alvo é o Legislativo. Fonseca adota uma linha de pensamento que coincide em muito com a exposta pelo bispo Edir Macedo em seu último livro "Plano de Poder: Deus, os cristãos e a política" - oportunamente lançado a poucas semanas do primeiro turno de votações das eleições municipais deste ano. "A potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo", prega o bispo Macedo, fundador e maior autoridade religiosa da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd).
A semelhança de idéias deixa clara a estratégia das diferentes denominações de igrejas evangélicas para recuperar sua bancada no Parlamento, fortemente abalada pelo escândalo dos sanguessugas - o esquema de fraudes em licitações na área da saúde desbaratado pela Polícia Federal, que culminou na prisão do ex-deputado Bispo Rodrigues, outrora responsável pela coordenação política da Iurd, mais uma série de parlamentares ligados à igreja. Na avaliação de estudiosos, o Parlamento é, para os evangélicos, uma fase necessária para cacifar sua bancada em direção a governos estaduais e, eventualmente, à Presidência da República.
Mesmo depois da punição pelas urnas em 2006, a bancada evangélica é avaliada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como um dos grupos suprapartidários mais organizados do Congresso. Estão representadas no Parlamento a Universal, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Assembléia de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Batista. Têm presença forte nas comissões permanentes da Câmara, sobretudo na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, que cuida, entre outros assuntos, das concessões para emissoras de rádio e televisão, assunto caro para a Iurd.
"Para eleger seus candidatos, toda a estrutura da igreja é acionada, sobretudo no caso da Iurd", explica o antropólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em religiões Ari Pedro Oro. Para ele, o desempenho do PRB, legenda com maior percentual de evangélicos no Congresso, é prova do poder do "carisma institucional" da Universal nas urnas. "A Iurd inaugurou uma forma de fazer política que vem sendo copiada pelas demais denominações evangélicas e, mais recentemente, até mesmo pela igreja católica. Faz-se política no púlpito, prega-se a fidelidade e o voto no candidato escolhido pela cúpula da Universal. As outras igrejas a condenam, mas a imitam", avalia.
A Universal nega qualquer interferência na eleição de membros de sua comunidade. Por meio da assessoria de imprensa, a Iurd afirma que "não faz campanha Política e tão pouco possui candidato". "Membros ou freqüentadores que ingressam na carreira política o fazem por si só e assim, não sofrem nenhum tipo de influência da igreja em suas decisões", afirmou o presidente da área de Relações Institucionais da Iurd, Jerônimo Alves, por meio de nota.
Caminho próprio
De acordo com o pastor Ronaldo Fonseca, contudo, é para escapar da influência do que chama de "máquina eleitoral" da Iurd que a Assembléia de Deus pretende percorrer caminho próprio na política ao apoiar a legenda ainda em gestação, o PRC. Na avaliação do pastor, que será presidente do partido, será possível aproveitar uma brecha da legislação eleitoral que permite políticos migrarem para siglas recém-criadas sem sofrerem punição. "Neste cenário, será possível contar, já de início, com um corpo de 920 vereadores, nove deputados federais e 27 estaduais", diz Fonseca. "É o suficiente para chegar em 2010 com uma máquina forte e competitiva, uma representação à altura da Assembléia de Deus", acrescenta.
Fonseca afirma que não usará os mesmos "artifícios" que, de acordo com ele, seriam adotados pela Iurd para eleger seus parlamentares - a campanha nos púlpitos, na porta das igrejas, a escolha dos candidatos de cima para baixo, pela cúpula dos bispos e imposta aos fiéis. "A escolha de pessoas despreparadas acabou penalizando não só a Iurd como toda a comunidade evangélica. Foi esse o caso do Bispo Rodrigues. Vamos apostar em lideranças políticas autênticas, que emergem da comunidade por seus valores e seu talento, em vez de selecionar simplesmente entre quem tem mais influência entre o eleitorado", explica o pastor.
Salvador
Se no Rio de Janeiro o candidato da Iurd à prefeitura da capital carioca, senador Marcelo Crivella (PRB) esbarrou no teto dos votos evangélicos no primeiro turno e ficou de fora da disputa, em Salvador, cidade onde os terreiros de candomblé - 1238 ao todo, de acordo com os cálculos da prefeitura - são dotados de grande poder político, dois evangélicos disputam a prefeitura. Na corrida pelos votos, dobram-se à religião afro-brasileira tão criticada pelos pentecostais.
O candidato petista, Walter Pinheiro, é da Igreja Batista. O atual prefeito, João Henrique Carneiro (PMDB), também. O prefeito escolheu uma vice católica, Lídice da Mata (PSB) que transita com mais desenvoltura pelos terreiros. João Henrique foi mais longe e optou por Edvaldo Brito, negro, filho de Ogum e freqüentador do terreiro do Gantois, um dos mais tradicionais da Bahia.
Em busca de votos, Walter Pinheiro enfrentou críticas de irmãos de religião e foi a um terreiro, no primeiro turno, fazer campanha. Constrangido durante a visita ao Maroió Lage, mais conhecido como Terreiro do Alaketo, tentou escapar das fotos dos jornais. E cometeu uma gafe, ao ir ao local vestido com uma camisa pólo azul e preta - cor tradicionalmente evitada nos terreiros por bloquear as energias.
Na luta para se reeleger no cargo, João Henrique evitou ir aos terreiros passou por percalços ainda maiores com o povo do candomblé. Passada uma batalha jurídica em torno do fim da isenção do IPTU para os terreiros, o prefeito mandou derrubar o terreiro Oyá Unipó Neto, por falta de pagamento do imposto.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(Karla Correia)