Título: Advogados dizem que maioria de imóveis vendidos é irregular
Autor: Cristiane Crelier
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/09/2004, Legislação, p. A-9

Adquirir um imóvel por meio de leilão, mesmo que por preço bem abaixo do mercado, nem sempre é um bom negócio. Segundo advogados especializados na defesa de mutuários e consumidores, boa parte dos leilões de imóveis acontecem de forma irregular por parte dos bancos. Assim, o comprador corre o risco de perder o imóvel adquirido na venda pública e ter de acionar o banco na Justiça para rever os valores pagos. Já há diversas decisões, até mesmo em segunda instância, a favor da devolução aos mutuários de imóveis que foram leiloados.

"90% dos leilões extrajudiciais (procedimento mais habitualmente usado pelas instituições financiadoras) são irregulares, por não obedecerem os rituais necessários. Dessa forma, quem compra imóveis nessa situação está assumindo um negócio de risco", diz o advogado Ronaldo Gotlib, do Gotlib Advogados. O especialista na defesa de mutuários aconselha alguns cuidados a serem tomados pelos interessados em arrematar imóveis em leilões.

"Para começar, é importante averiguar se o leilão é resultado de procedimento judicial ou extrajudicial. Depois, verificar se o imóvel não é objeto de ação judicial por parte do suposto antigo dono. E, por fim, ir ao local e ver se o imóvel está ocupado e, se possível, conversar com o ocupante para saber qual a situação dele em relação ao imóvel e se pretende sair", recomenda Gotlib.

O advogado Adolpho Abreu, que milita a favor de dezenas de mutuários, garante, baseado em acórdão recente, que não existe a necessidade de haver ação junto à Justiça Federal para que sejam cancelados todos os registros de cartas de adjudicação em nome da Caixa Econômica Federal (que responde por cerca de 95% dos financiamentos habitacionais), no Cartório de Registro de Imóveis, com a adjudicação efetuada em execução extrajudicial, pelo valor do saldo devedor. "O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e não a Justiça Federal, mandou cancelar o registro da carta de adjudicação em nome da Caixa, sem necessidade de ouvir o banco. Nenhum registro de carta de adjudicação da Caixa pode ter fé-pública; os oficiais de cartório não podem registrar cartas em nome da Caixa sem levantar nenhuma dúvida", garante Adolpho Abreu.

Um dos clientes do advogado pagou as mensalidades de seu financiamento imobiliário, sem atraso, de 1985 a 1997 -ano em que teve problemas financeiros e atrasou pagamentos por alguns meses. Após a mora, o mutuário tentou renegociar com a Caixa a dívida que seria de R$ 800, e surpreendeu-se com a cobrança de R$ 67 mil. No leilão, o imóvel foi arrematado por R$ 20 mil. "O problema do devedor em caso de financiamento, principalmente dos antigos, é que, muitas vezes, ele não deixou de fazer pagamentos devidos, mas sim de valores que já, na prática, não deve mais. O valor já pago, em boa parte dos casos, supera o valor do imóvel; e por isso esses imóveis costumam estar sob júdice, discutindo-se o valor do saldo devedor. E o imóvel acaba sendo vendido por valor inferior ao do saldo devedor porque, se ele só for arrematado no terceiro leilão, ele já está adjudicado ao banco e aí o lance é livre, e leva quem oferecer mais", esclarece Ronaldo Gotlib.

Os leilões extrajudiciais costumam ser irregulares, segundo os especialistas, por não cumprirem ritos, necessários por lei, como a citação pessoal do devedor.

A Caixa foi procurada por essa reportagem para comentar as ações, mas informou que não poderia se pronunciar devido à ausência de expediente em conseqüência da greve dos bancários.