Título: Comercialização vai precisar de valor recorde
Autor: Tenório, Roberto
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/10/2008, Agronegócio, p. B12

São Paulo, 22 de Outubro de 2008 - O agravamento da crise internacional, que provocou a redução nos preços das commodities agrícolas, pode demandar a maior intervenção do governo no apoio à comercialização dos últimos cinco anos. Dos R$ 3,8 bilhões (aquisição e comercialização) previstos no orçamento do plano safra 2008/09, cerca de R$ 1,31 bilhão já foi utilizado até outubro para as culturas do algodão, trigo, vinho, sisal e milho, conforme os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A previsão é que somente a soja precise de mais R$ 1 bilhão no momento da comercialização. Esse valor pode aumentar se considerar que ainda há uma safra de verão de milho e a safrinha do mesmo grão, cujos preços de mercado estão abaixo do custo de produção.

Mesmo com a forte valorização do dólar, que compensaria parte da queda das commodities, representantes dos produtores já discutem a política de preços mínimos e mecanismos que ajudem a garantir a rentabilidade durante a colheita da próxima safra.

Paulo Morceli, superintendente de gestão de oferta da Conab, revela que, neste ano, o trigo está demandando um grande volume de recursos, ao contrário do ano passado. Segundo explicou, serão ofertados R$ 600 milhões para a cultura divididos entre Prêmio de Escoamento de Produção (PEP) e Aquisição do Governo Federal (AGF). Ele descartou uma futura intervenção na comercialização da soja, mas afirmou que existe um acompanhamento mensal sobre os preços e que o governo irá intervir caso fiquem abaixo do mínimo. "Mesmo com o preço mínimo da soja subindo para R$ 22,80 (saca de 60 quilos) neste ano-safra, não acredito que vamos realizar operações no setor", prevê.

Segundo Glauber Silveira, presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), o preço mínimo da oleaginosa está abaixo da realidade e pode comprometer a situação do produtor em caso de queda no mercado interno. "Encaminhamos hoje (ontem) o pedido de aumento dos preços mínimos ao ministro da agricultura pedindo a elevação para R$ 30 a saca (60 quilos)". Ele revela que até mesmo o levantamento da Conab aponta o custo nesse patamar. A situação mais complicada e a do Mato Grosso. Dados da estatal mostram que em Sorriso, região formadora de preços no estado, o custo variável de soja transgênica é de R$ 29 a saca.

Marcelo Duarte Monteiro, diretor executivo da Aprosoja, explica que caso o preço mínimo da saca seja elevado para R$ 30, só o Mato Grosso consumiria R$ 1 bilhão em recursos de comercialização. Esse número é praticamente a metade do que ainda resta nas mãos do governo. O cálculo leva em consideração o preço da soja em Chicago a US$ 9 por bushel (27,2 quilos) e o dólar valendo R$ 2,00. Com essa simulação, o saco da soja em Sorriso custaria R$ 25,78, acionando o sistema de apoio do governo. Segundo o diretor, cerca de 25% da safra de 17 milhões de toneladas já foi comercializado, sobrando 12,75 milhões de toneladas com os produtores. "Isso sem contar o milho e o algodão, culturas de grande peso no estado e que também passam por problemas", avalia. "Se os recursos para custeio tivessem chegado em tempo hábil esse cenário não seria tão pessimista. O atraso na compra de insumos encareceu a produção", completa.

A situação fica mais complicada com as incertezas no cenário externo, na opinião de José Mario Schreiner, presidente comissão nacional de cereais, grãos e oleaginosas da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). "A volatilidade do mercado financeiro é muito forte. Ainda não é possível discutir em qual patamar as coisas vão ficar. Por isso, é importante pensar em uma boa política de comercialização para essa safra", afirma . Ele afirma que o preço mínimo atual praticado pelo governo para a soja, torna o plantio inviável em regiões como Goiás. Segundo disse, o custo da saca convencional fica em R$ 38.

Schreiner explica que um sistema que contemple com eficiência o crédito ao produtor, seguro rural e sistemas que sustentem os preços na comercialização são essenciais para garantir ao produtor tranqüilidade na colheita. "É chegada a hora de avançar na discussão de uma política agrícola mais eficiente. Pois a falta de sustentação em momentos como esse só leva a um maior aprofundamento da dívida agrícola. Nenhum produtor quer isso".

Gonçalo Terracini, analista da FCStone, acrescenta que no período da safra os preços costumam cair com mais intensidade por causa da oferta. Segundo disse, a variação fica entre 20% e 35% dos preços praticados a entressafra. "Fica difícil dizer quanto cai exatamente. As variações ocorrem conforme os indicadores do mercado em geral", completa.

Silveira destaca que a sinalização do governo com recursos é importante para garantir tranqüilidade ao produtor no momento da colheita. "Não é preciso nem haver uma intervenção. O importante é ficar a certeza que os preços pagos vão cobrir, no mínimo, os custos". Monteiro acrescenta que a situação é agravada pela crise, pois o crédito junto às tradings no Mato Grosso, as maiores financiadoras da safra, secou. "O recurso de apoio à comercialização seria importante nesse contexto de aperto no crédito". Ele diz que o momento da colheita é o mais incerto de todo o ciclo, pois é o período onde o produtor precisa vender e pagar as contas.

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 12)(Roberto Tenório)