Título: MP 443 acirra ânimos entre a oposição e os partidos aliados
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/10/2008, Política, p. A9

Brasília, 23 de Outubro de 2008 - A estratégia do Palácio do Planalto de prolongar a chegada da crise de crédito no Congresso foi minada ontem por uma ação disparada pela equipe econômica. Um dia após negar aos deputados a existência de subsídios, o governo editou a medida provisória 443, que permite ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal estatizarem instituições financeiras em dificuldades. A proposta causou constrangimentos entre governistas e oposicionistas que ensaiavam um entendimento para blindar o País.

O principal alvo das críticas foi o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para a oposição, o ministro "mentiu descaradamente" e desrespeitou os parlamentares. Agora, os oposicionistas, que fecharam um acordo para aprovar a MP 442, que ampliou os poderes do Banco Central no socorro a bancos com problemas, na sessão da próxima terça-feira, defendem mais tempo para negociar e alterar as medidas elaboradas pelo Executivo para evitar os reflexos da crise financeira internacional na economia brasileira. "O governo não quer o jogo da verdade, mas o da enganação da dissimulação", afirma o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP). "O governo entrou na contramão. Que confiança poderemos ter no Mantega e no presidente do Banco Central ?"

Ontem, PPS, PSDB e DEM recorreram à Procuradoria-Geral da República (PGR) e pediram a fiscalização pelo Ministério Público em toda e qualquer movimentação feita pelos bancos públicos com base na MP 443. A idéia é que seja criada uma comissão externa com livre acesso à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao Banco Central para acompanhar as medidas da MP.

A oposição pensa também em propor alterações no texto da medida da estatização. Reclamam que há brechas para socorrer empreiteiras financiadoras de campanhas eleitorais e bancos suspeitos de envolvimento em esquemas de corrupção e instituições que estão em risco por má-gestão. "Não podemos mais ser enganados", declarou o líder do PPS, Fernando Coruja (SC). "Na lógica do governo, o próximo passo é o dinheiro do Tesouro", acrescentou.

Os deputados governistas e oposicionistas também defendem mudanças na MP 442. Apresentaram 74 emendas, sendo que a maioria propõe a responsabilização de controladores de instituições que aplicarem calote e a proteção dos correntistas que investiram nessas financeiras. Os líderes da oposição sustentam que não pensam em rejeitar as medidas, mas alertam ao governo que podem mudar de postura caso o governo não abra a negociação com o governo. "Vamos criar um entrave grande para que o presidente perceba que precisa chamar o Congresso para a discussão", disse o vice-líder do DEM no Senado, Demóstenes Torres (GO).

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), ironizou a reação dos parlamentares, mas reconheceu que a ação do governo provocou uma "natural a chiadeira" entre governistas e oposicionistas. Jucá também saiu em defesa de Mantega e Meirelles. "Sem chiadeira, não tem graça", declarou Jucá. "Muita coisa não pode ser discutida, para não haver especulação (no mercado)."

Desapontamento

Os economistas convidados pela oposição se disseram "desapontados" com a condição imposta, na terça-feira, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para comparecer à Comissão Geral da Câmara a fim de debater a crise financeira internacional. Antes de, juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, prestar esclarecimentos aos parlamentares na tarde de ontem, Mantega exigiu que não houvesse a possibilidade de ser debatido pelos economistas.

"A rigor, não nos caberia nem fazer perguntas diretas aos ministros", reclama o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central e convidado pelo DEM para participar da comissão. "Seria apenas uma exposição. Fiquei surpreso. Não havia necessidade daquilo, não sei porque os ministros colocaram essa condição", acrescentou. Ex-diretor do BC, diz que o tom de sua fala aos parlamentares não seria de confronto das ações do governo em relação à crise. Na sua avaliação, estas ações estavam, até a apresentação da MP 443 ontem, na "direção correta"."Utilizar o Banco do Brasil e a Caixa para salvar bancos privados em dificuldades me parece algo inadequado", diz Freitas.

Revisão de indicadores

A insatisfação dos parlamentares pode alterar o planejamento traçado pela cúpula do governo para a crise. Nos bastidores, o Planalto e a equipe econômica trabalham as ações para deixar o país em uma situação mais confortável, mas só pretendiam discuti-las com o Congresso em novembro. Além da retração ao crédito, a queda dos preços das commodities e a valorização do dólar também preocupam o governo e terão impactos nos parâmetros e projeções econômico-fiscais programados para 2009.

A previsão do governo era anunciar no fim de novembro a revisão dos índices, como a taxa de crescimento do PIB, de 5% - já calculada em um patamar entre 3,8% e 4,5% --, além de cortes no orçamento dos ministérios. Na Justiça, por exemplo, técnicos já analisam reduções no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Nada significativo, garantem assessores de ministros. Pelo arranjo governista, as medidas serão anunciadas isoladamente para não criar um caráter de um pacote de combate à crise.