Título: Salários e pensões sustentam 70% da demanda do País
Autor: Lorenzi, Sabrina
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/10/2008, Nacional, p. A5
Rio de Janeiro, 24 de Outubro de 2008 - Os salários e as pensões respondem por nada mais nada menos que 70% do consumo do País, de acordo com cálculos preliminares do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) baseados em microdados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). O coordenador do grupo de Análises e Projeções do Ipea, Miguel Bruno, está preparando um mapeamento sobre o comportamento da demanda brasileira e suas perspectivas diante da crise financeira. O estudo, que deverá ser lançado no final deste ano, mostra que a manutenção dos empregos e do consumo das famílias é a saída do Brasil na escassez de crédito.
"Não apostaria numa desaleração drástica. O tamanho do mercado interno é a grande vantagem do Brasil", afirmou Miguel Bruno à Gazeta Mercantil. O pesquisador não nega que a escassez de crédito vai afetar o crescimento no País, mas mostra que o impacto será muito menor se os empregos forem mantidos e a renda também. "O governo deve estimular os segmentos intensivos em mão-de-obra, e começou a fazê-lo pela construção civil."
A construção civil emprega 6,1 milhões de pessoas, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE. É equivalente a quase a metade dos empregos da indústria de transformação, que abriga 13 milhões de postos de trabalho.
"Para enfrentar essa situação, temos que olhar outras estatísticas que não sejam somente as financeiras". Uma análise da composição do PIB mostra que os segmentos influenciados diretamente pelo crédito não são muitos.
Construção civil, serviços de intermediação financeira e indústria automotiva somam menos de 15% do Produto. A pesquisadora do IBGE, Cláudia Dionísio ressalva que não há como prever nem calcular, porém, o impacto indireto da escassez de crédito sobre os diversos segmentos da indústria.
A percepção da importância do consumo das famílias como fator aliviador da crise está em linha com a visão de especialistas. Renda, emprego e comércio crescentes em contraste com a crise financeira deixaram economistas às voltas com as estimativas para 2009. A revisão das taxas da economia real é inevitável, mas não se compara - pelo menos por enquanto - ao desastre no mundo das finanças. As estimativas apontam para aumento do consumo das famílias, o motor do crescimento do PIB há 17 trimestres, e dos investimentos.
A Tendências Consultoria Integrada projeta um crescimento de 4% do consumo das famílias, apesar da montanha-russa das bolsas e da escassez de crédito. "O cenário que prevemos não para o PIB é tão pessimista quanto os dos mercados. Revisamos o PIB de 2009 de 3,8% para 3,2%", disse Marcela Prada, economista da consultoria. A demanda das famílias, antes da crise, era estimada em cerca de 5%. "A tendência natural já era de desaceleração. Com a crise, isso deve ficar se intensificar um pouco."
A Austing Rating manterá a taxa de investimentos em torno de 18,8%, conforme previra antes da crise. "Ainda é cedo para derrubar as projeções de crescimento. Tem um certo exagero no pessimismo, mas por outro lado tem uma parte que ser considerada. Ficou caro financiar carro ...", avalia o consultor Alex Agostini. "O bombardeio de informações sobre o cenário internacional pode retrair o consumo, mas ainda é prematuro e alarmista dizer que vamos entrar em recessão", completou.
A Opus Gestora de Recursos projeta que o PIB crescerá 2,5% em 2009, a pior projeção apurada por este jornal. A percepção de José Márcio Camargo vai além do impacto direto sobre investimentos das empresas. A falta de crédito, segundo ele, vai impossibilitar o governo de conviver com elevado déficit em conta corrente. "Como o governo vai financiar este déficit, sem crédito no mundo?", questionou.
Para Camargo, que também leciona na PUC-Rio, o governo não deve fazer esforço para impedir a desacelaração, função do vermelho nas transações correntes. "O pior que pode acontecer são políticas compensatórias. Se o governo o fizer, o Banco Central vai entrar com política monetária dura, e o governo terá de se conformar com taxas menores de crescimento", disse.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Sabrina Lorenzi)