Título: Prioridade chinesa é defesa da economia
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Fonte: Gazeta Mercantil, 24/10/2008, Internacional, p. A14

24 de Outubro de 2008 - Por três décadas a China alimentou seu fantástico crescimento econômico tornando-se a oficina do mundo e liberando uma enxurrada de exportações baratas. Mas diante de uma possível recessão global e de uma demanda que enfraquece para suas exportações, a questão no momento é se o Partido Comunista no poder conseguirá impedir que a crise financeira desvie dos trilhos o milagre econômico chinês.

A dúvida pressiona não apenas a China mas o resto do mundo. Autoridades americanas e muitos economistas dizem que o contínuo crescimento da China é vital para a economia global à medida que os Estados Unidos e a Europa enfrentam severos reveses.

Entretanto para manejar a crise muitos analistas alegam que a China precisará recalibrar seu modelo econômico, incentivar o investimento doméstico com pesados gastos do governo, e promover políticas para aumentar a demanda dos consumidores em um país conhecido pelos altos níveis de poupança.

A crise global também surge em um momento politicamente importante para a China. Este mês se comemora o 30° aniversário das reformas que detonaram o crescimento orientado para o mercado no país asiático, um progresso que suscitou inevitáveis dúvidas sobre os próximos passos que a China deverá dar para se tornar uma economia totalmente moderna e um poder político.

No nível geopolítico, a China ficaria bem posicionada para expandir sua influência. O país detém US$ 1,9 trilhão em reservas em moeda estrangeira, acumuladas com gigantescos superávits comerciais e pesado investimento estrangeiro em seu território, e poderia adquirir participações com descontos nos bancos ocidentais e empresas.

Mas no momento a maioria dos analistas diz que a prioridade máxima da China é proteger sua própria economia. Os líderes chineses informam que o sistema financeiro doméstico está muito isolado da crise global - os bancos chineses permanecem localmente focalizados e têm uma exposição relativamente pequena aos valores mobiliários tóxicos vendidos pelos bancos dos Estados Unidos e da Europa. Mas o crescimento econômico caiu para seu mais baixo nível em cinco anos, o desemprego é uma preocupação crescente, e fábricas fecham na região exportadora do país. As bolsas domésticas perderam 65% de seu valor, e as vendas de imóveis desabaram.

A China ainda parece capaz de evitar uma recessão, porém um crescimento significativamente menor seria um desafio político para o Partido Comunista, cuja legitimidade deriva em grande parte da capacidade de gerar empregos e aumentar a riqueza. A sabedoria popular diz que a produção da China precisa crescer um mínimo de 8% para a economia gerar empregos suficientes para absorver um aumento na população ativa, e muitos economistas esperam que o crescimento recue abaixo desse nível em 2009.

Na semana passada milhares de trabalhadores desempregados protestaram do lado de fora de fábricas de brinquedos na província de Guangdong, núcleo exportador do país. Um pouco mais do que a metade dos exportadores de brinquedos da China fecharam as portas nos primeiros sete meses deste ano, a maioria pequenas empresas que lutavam para satisfazer novos parâmetros de segurança e com a demanda decrescente no Ocidente, segundo informou a Alfândega chinesa.

Caso o nível de crescimento "fique abaixo dos 8% em 2009 creio que ficarão muito preocupados", disse Kenneth Lieberthal, especialista sobre a China que atualmente trabalha na Brookings Institution em Washington. "Estão sempre preocupados com a geração de empregos."

Os líderes chineses já preparam uma resposta que poderá ser parecida com a euforia de gastos de 1998 a 2000 que levou o crédito de ter ajudado a China a evitar a pior crise financeira asiática que eclodiu em 1997. O ex-primeiro-ministro Zhu Rongji injetou bilhões de dólares no controle de enchentes, construção de estradas e novos projetos de aeroportos para estimular a produção econômica. Grande parte dessa infra-estrutura atualmente é considerada essencial para a vantagem competitiva da China como país exportador fabril.

Atualmente as melhorias são necessárias nas ferrovias e na rede de eletricidade. Mas as necessidades mais visíveis da China repousam no lado mais fraco de uma economia moderna - uma rede de cuidados com a saúde, mensalidades escolares e universitárias mais baixas e uma melhora na rudimentar rede de segurança social, dizem os economistas.

Tais medidas são consideradas cruciais caso a China dê aos consumidores - em especial os membros da classe trabalhadora que moram nas zonas urbanas e os 800 milhões ainda classificados como camponeses - a confiança necessária para gastar em vez de aumentar suas poupanças.

"A infra-estrutura da China é excelente, em comparação com a Índia ", disse Xu Xiaonian, professor de economia na China Europe International Business School em Xangai. "Torna-se cada vez mais difícil para o governo descobrir maneiras de gastar dinheiro de modo produtivo. Trata-se de estímulo pelo estímulo."

Até o momento, a nova medida mais significativa é a reforma agrária anunciada no domingo passado. Os detalhes do programa continuam obscuros, mas o plano permite aos produtores agrícolas, pela primeira vez , alugar ou transferir seus direitos de uso das terras, medida vital naquele que ainda é nominalmente um país socialista.

Andy Rothman, analista de longa data no CLSA Asia-Pacific Markets, um banco de investimento, disse que o governo promove o consumo doméstico há anos, mas que por necessidade é um processo gradual e não um que poderia fornecer um conserto rápido para uma desaceleração global.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(J. Yardley e K. Bradsher The New York Times)