Título: Brasileiros se integram à sociedade japonesa
Autor: Onishi, Norimitsu
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/11/2008, Nacional, p. A6

4 de Novembro de 2008 - Preocupado com a escassez de mão-de-obra nos anos 90 mas cauteloso quanto a permitir a entrada de estrangeiros no mercado de trabalho, o Japão abriu uma exceção para os brasileiros descendentes de japoneses.

Com suas raízes, nomes e fisionomias japonesas, esse filhos e netos de imigrantes japoneses no Brasil se adaptariam com mais facilidade numa sociedade agressivamente fechada aos forasteiros.

Nas duas décadas seguintes, apesar dos periódicos declínios econômicos como o atual, o número de trabalhadores nipo-brasileiros no Japão continuou crescendo. Eles estão concentrados nas áreas industriais repletas de fábricas que abastecem empresas familiares como a Honda, a Sanyo e a Toyota, cuja sede emprestou seu nome para essa cidade da região central do Japão.

Mas talvez em nenhum outro lugar do país os japoneses e os nipo-brasileiros convivem com tanta intensidade quanto num complexo habitacional público chamado Homi Estate. Construído nos anos 70 para famílias japonesas jovens, Homi tem uma população de 8.891 pessoas que agora é dividida quase na mesma proporção entre japoneses, a 52%, e estrangeiros, a 48%.

"Para ser honesto", disse Toshinori Fujiwara, de 69 anos, um líder comunitário japonês, "nunca imaginei, nem nos meus sonhos mais loucos, que esse um dia seria um bairro multiétnico".

Daqui a uma geração, é provável que mais japoneses façam comentários similares à medida que a população do Japão envelhece e a força de trabalho diminui. Recentemente, a escassez de mão-de-obra se expandiu da produção fabril para a agrícola, barcos de pesca, hospitais e outras áreas, levando o Japão a abrir as portas para os trabalhadores temporários da China e de outros lugares na Ásia.

Aperto demográfico

À medida que o aperto demográfico se intensifica, o Japão pode ter de se abrir mais para a imigração, dizem os especialistas, se quiser ter os trabalhadores que necessita para continuar sendo uma grande potência industrial. Um país homogêneo e insular, no entanto, o Japão tem notória aversão aos imigrantes. Os coreanos que chegaram ao país durante a Segunda Guerra Mundial ainda são tratados como cidadãos de segunda classe.

Para ser um destino atraente para os imigrantes, segundo especialistas, o Japão terá de se submeter a um difícil transformação cultural para a qual os nipo-brasileiros representam um teste elementar. Se nem mesmo eles conseguiram ganhar aceitação, que chance haverá para os grupos de imigrantes que em termos étnicos, religiosos e nacionais podem ser diferentes dos nativos japoneses?

A imigração é um tema impopular e politicamente delicado. Mas os 317 mil nipo-brasileiros - cujos filhos estão crescendo no Japão e, em muitos casos, entrando na puberdade no país - efetivamente formam a maior população de imigrantes do Japão. Do total, perto de 94.400 obtiveram visto de residência permanente, enquanto os outros podem permanecer no Japão indefinidamente. As crianças nascidas no Japão de pais estrangeiros não obtêm a cidadania automaticamente.

Uma cidade dentro de uma cidade, o Homi Estate - com 40 prédios de apartamentos, casas isoladas, escolas e lojas - se parece com qualquer outro complexo habitacional visto do lado de fora. Mas, olhando mais de perto, as placas das ruas estão escritas em japonês e português. No complexo de lojas da comunidade, os restaurantes servem pratos brasileiros; uma loja de conveniência vende revistas brasileiras. Um supermercado japonês foi substituído por um japonês-brasileiro no ano passado, revelando a mudança demográfica de Homi.

Vandalismo

Outras diferenças são mais sutís. Alguns elevadores estão cobertos por grafites, um tipo de vandalismo raramente visto no Japão. E os estacionamentos contêm carros reequipados com "lowriders" e pintados de púrpura, enquanto os carros japoneses tendem a ser da cor branca ou cinza.

"No início, os japoneses não entendiam por que os nipo-brasileiros tocavam música alto, não separavam o lixo perfeitamente e não pareciam se importar com o fato de chegar tarde aos compromissos. Mas a imagem cor-de-rosa que os nipo-brasileiros, seus avôs ou pais tinham do Japão parecia, no máximo, datada e eles se sentiram indesejados.

Preconceito

"Eu tive sorte, porque os japoneses têm sido bons para mim", disse Rita Okokama, de 40 anos, uma nipo-brasileira que está no país há 40 anos e é proprietária de uma pequena lanchonete chamada Padaria. "Mas outros têm enfrentado preconceito. Por exemplo, os proprietários de lojas japonesas seguem os consumidores nipo-brasileiros pelas suas lojas porque acreditam que eles roubam", disse Okokama.

Dez anos atrás, os nipo-brasileiros inclusive entraram em conflito com grupos de direita japoneses que tinham por alvo os estrangeiros. Mas a situação começou a melhorar há cinco anos quando os japoneses e os nipo-brasileiros aprenderam a conviver e organizaram atividades conjuntas, como churrascos, disse Kunikazu Ihara, de 65 anos, um líder local de segurança. Outro motivo para a melhora pode ser que os japoneses que não quiseram morar perto dos nipo-brasileiros simplesmente se mudaram para outro lugar. "Se estavam cercados por estrangeiros, especialmente aqueles que moravam em apartamentos alugados, alguns japoneses simplesmente foram embora", disse Ihara. Em contraste, os japoneses que permaneceram pareciam comprometidos com viver junto.

Isolamento

"Os japoneses tendem a se isolar e construir muros em torno de si", disse Kimio Yamamoto, de 71 anos, um engenheiro japonês aposentado e presença habitual no clube de ginástica nipo-brasileira do Homi. "E os estrangeiros podem sentir isso diretamente."

Enquanto fazia exercícios peitorais, Yamamoto disse que os nipo-brasileiros o fizeram sentir de imediato à vontade no clube. "É divertido", ele disse.

"As crianças se tornam `amigas¿", disse Fujiwara, o líder comunitário japonês, que está aprendendo português e mistura palavras japonesas com portuguesas. "Mas os adultos, eles não se tornam `amigos¿". Na escola West Homi Elementary, onde as crianças nipo-brasileiras respondem por 53% dos 196 alunos, são oferecidas aulas suplementares de língua japonesa, assim como ajuda em outras matérias. Em parte como resultado disso, as crianças nipo-brasileiras não abandonam o curso, um problema comum em outras escolas públicas, onde as crianças estrangeiras são muitas vezes intimidadas.

Sociedade multiétnica

Em virtude do número crescente de alunos nipo-brasileiros, alguns pais japoneses tinham medo de deixar seus próprios filhos na escola. Os altos funcionários do sistema educacional tentaram convencer os japoneses a manter seus filhos aqui enfatizando os efeitos positivos da presença nipo-brasileira. "Essa não é mais a era de um povo homogêneo, mas de uma sociedade multiétnica", disse Mitsuyuki Shibuya, um alto funcionário do sistema educacional.

A nova era pode ser simbolizada por um aluno nipo-brasileiro de 9 anos chamado Nicholas Wada, que levou para casa prêmios de poesia e outros, que seus pais orgulhosamente exibem. Seus pais, João, de 44 anos, e Silvana, de 40, também criaram uma filha, Veridiana, no país.

Neste ano eles construíram uma residência isolada de dois andares como sinal de seu compromisso com o Japão. "Meu filho não tem nenhuma idéia do Brasil, então ele construiu essa casa para ele", disse Wada na sala de estar do casal. "Nicholas disse que não quer ir para o Brasil", disse Wada. "Ele pensa em japonês", acrescentou Wada, motorista de caminhão.

Como a maioria dos nipo-brasileiros - decerto, como quase todos os imigrantes ao redor do mundo - o casal chegou ao país pensando em ficar só dois ou três anos. "Mesmo se você perguntar para nós agora, diremos que vamos voltar em dois ou três anos", disse Wada.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Norimitsu Onishi/ The New York Times)