Título: Banco do Brasil abre crédito especial para montadoras
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/11/2008, Editoriais, p. A2
7 de Novembro de 2008 - O clima de festa e as gentilezas oferecidas tanto ao poder federal como ao estadual no Salão Internacional do Automóvel em São Paulo renderam bons frutos ao setor. Como prometido pelo presidente Lula na cerimônia de abertura do Salão, os bancos das montadores devem receber R$ 4 bilhões do Banco do Brasil para financiar a compra de veículos. Na próxima semana será a vez da Nossa Caixa, o banco do governo paulista, anunciar idêntica participação, como fez questão de informar o governador José Serra. Com esses recursos os bancos pretendem repetir a oferta de juros mais baixos e, principalmente, voltar a vender carros com prazos muito longos, de até 72 meses.
De fato, a oferta de crédito para o setor enfrenta problemas. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), cerca de 70% das vendas de veículos são financiadas e o crédito diminuiu muito. Dados da Associação dos Revendedores de Veículos Automotores de São Paulo mostram que as financeiras reduziram o saldo financiado a 50% do valor do veículo, estabelecendo 36 meses como prazo médio, impondo critérios muito rigorosos de análise de risco nas concessões de financiamento. As taxas de juro praticadas nos carros usados, de até 3% ao mês, tornaram o fluxo de financiamento dos novos bem mais difícil. O resultado dessas decisões foi a derrubada das vendas.
Em outubro, as vendas de veículos novos caíram 11% em relação a novembro, atingindo 239,2 mil unidades. Porém, na comparação com o mesmo período do ano passado, as vendas registraram um recuo bem menor de 2,1%. A produção de veículos, no entanto, alcançou 296,3 mil em outubro, o que significou queda de apenas 1,3% em relação a setembro e de 0,3% ante o mesmo mês de 2007. Observe-se, contudo, que no acumulado do ano as vendas obtiveram ganho de 23,4% sobre o mesmo mês do ano passado atingindo 2,45 milhões de unidades, revelando forte aproximação com a previsão da Anfavea, feita bem antes da crise, de expansão de 24,2% nas vendas de 2008. A produção, no período de janeiro a outubro, subiu 17,6%, bem acima das projeções da entidade de expansão de 15% neste ano.
Esses números, analisados com a devida serenidade, não sugerem um quadro dramático. Aliás, o presidente da Anfavea disse que o momento não é de "desespero ilógico" e que o setor busca ferramentas para lidar com o aperto do crédito. O crédito é essencial para as montadoras, mas os números da entidade mostram que as vendas financiadas despencaram em outubro para apenas 56% do total alcançado pelas montadoras.
O governo, no entanto, lidou com os problemas do setor de forma bastante seletiva. Com inédita rapidez, foi autorizado que cada banco de montadora negocie empréstimo diretamente com o Banco do Brasil e use parte da verba do compulsório que toda instituição bancária deve recolher no Banco Central. A Anfavea reconheceu que essa forma de ajuda terá poder efetivo sobre a oferta de crédito que "começará a voltar", apesar de a associação insistir em que esse ritmo de financiamento "ainda é insuficiente".
As mesmas dificuldades de oferta de crédito prejudicam outros setores da economia brasileira que não receberam idêntica atenção das autoridades econômicas. Vale notar que desde sexta-feira passada foram duas as reuniões do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com todos os presidentes das montadoras do País. Os executivos reafirmaram os riscos da paralisação do crédito depois de o setor bater tantos recordes de vendas, mês após mês, neste ano. Na reunião desta semana já estava presente o presidente do Banco do Brasil, e a decisão tomada foi injetar, por meio de linha de crédito especial, recursos para os bancos das montadoras. Nenhum outro setor foi atendido em suas reivindicações por tão prestigiados e poderosos interlocutores oficiais.
O aperto de crédito, como mostra a Sondagem Conjuntural de outubro da Fundação Getulio Vargas, é o principal responsável pela queda abrupta no Índice de Confiança da Indústria, a maior em 23 meses. No entanto, apenas um setor mereceu atenção algo paternalista do governo. Sem esquecer que esse mesmo setor não vê a recuperação das vendas em horizonte de curto prazo, como provam os cortes de produção e até a volta dos programas de demissões voluntárias nas montadoras. Esse quadro sugere que o governo foi um tanto apressado e pouco cauteloso no benefício especial concedido a um único setor.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)