Título: Sistema bancário está mais concentrado
Autor: Nascimento, Iolanda
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/11/2008, Finanças, p. B1

São Paulo, 7 de Novembro de 2008 - A fusão entre o Banco Itaú Holding Financeira e o Unibanco, duas das maiores instituições do mercado financeiro, e a possibilidade de que outros gigantes possam sair às compras para manter suas posições no ranking, como o Bradesco e o Banco do Brasil - este último prestes a anunciar a conclusão da aquisição do Banco Nossa Caixa -, mostra um movimento vigoroso rumo a uma consolidação cada vez mais forte do setor bancário brasileiro. Uma concentração que embute riscos e que o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, disse estar disposto a combater, ao assumir a instituição, em 2003, mas que vem se acentuando notadamente nos últimos anos. Segundo levantamento da Austin Rating, de 2003 até junho último, os cincos maiores do setor no País (Itaú-Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Grupo Santander e Caixa Econômica Federal) ampliaram de 65,4% para 74,3% a participação no total de depósitos, de 62% para 72,9% a fatia no total de ativos e de 59,3% para 72,2%, em operações de crédito.

Os especialistas avaliam que um sistema concentrado traz riscos aos consumidores, já que a falta de competitividade pode levar a preços maiores e a serviços de má qualidade. "Existe sempre esse risco. Com poucos dominando, podem ditar as regras. Por outro lado, o cliente tem a vantagem de estar em um banco sólido, que dificilmente o governo deixaria quebrar", diz Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating. Mas os especialistas avisam que poderia ser pior, se os bancos públicos, hoje mais livres para ir à compras, já não tivessem boas fatias do bolo. Se fossem bancos mais fracos, leia-se Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, o estado teria de ter aberto mão de mais dinheiro público, a exemplo do que ocorreu nesta crise de liquidez e conseqüente escassez de crédito, quando usou parte das reservas para socorrer as empresas exportadoras.

Os bancos públicos funcionam como uma espécie de reguladores de mercado, quando o governo resolve intervir com essa política de regulação da atividade com a própria atividade e, por isso, atenuam o atual empoçamento da liquidez quando abrem mais as torneiras do crédito, são mais ativos nas aquisições de carteiras e estão agora livres para ir às compras, sem ter de passar por licitações ou outras medidas antes impeditivas. O coordenador de MBA Bank da FIA, Roy Martelanc, lembra, contudo, que essa decisão de governo é pontual ou tímida usualmente, já que essa mesma força poderia servir para regular tarifas, como as do cheque especial e do cartão de crédito, por exemplo, que são altas tanto em instituições privadas quanto públicas, ou oferecer crédito mais barato, diz. "Há exceção. Em operações com o setor agrícola e na área imobiliária voltada para população de renda média e baixa, por exemplo, há uma atuação mais forte desses bancos em virtude de uma decisão política para derrubar taxas", afirma o professor, para quem, após a crise, as instituições públicas voltarão a atuar normalmente, sem essa faceta voltada a mitigar os problemas do setor.

Martelanc acredita, entretanto, que o atual nível de concentração ainda não oferece risco e avalia que, se houver, na área de crédito os bancos públicos compensariam. "Temos quatro grandes privados (inclui o HSBC Bank) e dois grandes públicos, o que provoca uma boa concorrência." O professor de economia e mercado financeiro da Trevisan Escola de Negócios, Alcides Leite, diz que em tempos de crise, mais importante que a evolução da concentração é a segurança e a solidez do sistema. "São dois grandes bancos privados de capital nacional, dois grandes privados de capital estrangeiro e dois públicos, o que não gera grande concentração", diz. Rodrigues, da Austin, afirma que o BC pode sempre intervir, como regulador do sistema que é, quando considerar necessário, mas o executivo avalia que a instituição já poderia criar regras estabelecendo o volume máximo que um banco pode ter do mercado. Um número bom seria em torno de 25%.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse nesta semana, na ocasião da fusão entre Itaú e Unibanco, que não via mudança no cenário bancário com a operação e ressaltou que "essa concentração vem no sentido de fortalecer o sistema financeiro". A pesquisa da Austin mostra, entretanto, um setor que tem cada vez menos concorrentes, e os grandes consolidadores detendo fatias sempre maiores. Em 1994, os cinco maiores detinham menos da metade (45,2%) dos ativos totais e dos depósitos (48%) e 56,8% do volume do crédito. Os dez maiores detinham 60,2%, 65,1% e 72%, respectivamente, ante uma fatia em junho de 85,3%, 87,8% e 84,1%, na mesma base comparativa. Os 20 maiores têm mais de 90% em todos os itens, atualmente.

Rodrigues, da Austin, conta que, quando começou a analisar o setor, há 15 anos, havia cerca de 250 instituições nos País e hoje mal ultrapassam 170. Com a quebradeira oriunda da crise, é difícil avaliar, mas os EUA têm mais de 2 mil bancos. "Os bancos foram ficando pelo meio do caminho, alguns quebraram, outros foram comprados, sofreram intervenção do BC." O levantamento mostra um cenário de concentração a partir de 1994, ano em que foi estabelecido o Plano Real, "que trouxe estabilização econômica" ao País, e quando surgiram os primeiros problemas de insucessos no sistema, causados principalmente porque as instituições deixaram de obter receitas vultosas oriundas de operações vinculadas às altas taxas de inflação. (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 1)(Iolanda Nascimento)