Título: Stiglitz defende agência de regulação global
Autor: Filgueiras,Maria Luíza
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/11/2008, Finanças, p. B4

São Paulo, 11 de Novembro de 2008 - Ele não poupa críticas ao governo Bush, ao Federal Reserve e ao economista Alan Greenspan, que esteve à frente do banco central norte-americano por quase duas décadas. Também não deposita todas as esperanças na perspectiva de o presidente eleito Barack Obama ser a encarnação de um "multilateralismo iluminado". Joseph Stiglitz, professor da Columbia University e ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2001, não é um otimista de carteirinha - mas não aponta só defeitos, também indica alternativas.

Em passagem pelo Brasil, o economista defende a criação de uma agência global de regulação, que incluiria política monetária e poderia abranger também política fiscal, numa formatação conjunta dos bancos centrais ou uma nova janela no Fundo Monetário Internacional (FMI). "Não podemos ter um mercado financeiro regulado num país com 50 estados com legislações diferentes, por exemplo. Para um mercado financeiro globalizado, é preciso alguma regulação também global", afirma. "Os bancos centrais já perderam boa parte da capacidade de restaurar a economia e agora tentam evitar um desastre. Muitos acreditavam na simples estabilidade de preço, mas este foco de política monetária ajudou a minar a estabilidade econômica."

Essa união ajudaria a restaurar a função de um banco central. Stiglitz faz parte da corrente de economistas que defende e espera um novo Bretton Woods, numa reforma que incluiria o uso de uma valor monetário comum para países membros dessa nova instituição ou para precificar commodities como petróleo. Esta moeda seria o SDR (Special Drawing Rights ou Direito Especial de Saque), unidade utilidade pelo FMI e outras organizações. "O SDR é válido pela média ponderada de moedas e seu valor é consideravelmente estável frente às alterações de taxa de câmbio", escreveu Stiglitz em proposta apresentada na Associação Econômica Internacional, em junho.

Ele não está sozinho neste debate. Para Marcel Pereira, economista-chefe da RC Consultores, a discussão é necessária e longa. "O BIS (Banco de Compensações Internacionais) deveria ter a função de BC dos BCs, com uma função reguladora que não acontece na prática, e o FMI também perdeu parte de seu papel, transformando-se em uma agência para alocar recursos em países subdesenvolvidos. Mas são os países em crise que aportam capital no fundo", avalia. "Uma regulação é essencial, seja pela reformatação das instituições ou criação de uma nova. A questão é quem vai executar esta função."Pereira acredita que o papel poderia ser assumido pelo BIS, deixando de só armazenar informações dos bancos centrais para até gerenciar a política monetária entre esses reguladores locais. "O desafio é ter uma moeda lastro para essas relações. O SDR ou uma nova média das cotações das principais moedas pode ser um ativo de referência, mas como equilibrá-los para que nenhuma das economias integrantes se sentisse prejudicada?", questiona. "Hoje não temos uma instituição nem um lastro monetário forte para preencher essas lacunas", considera o economista brasileiro, que cita a dificuldade de formatação da União Européia como uma pequena amostra dos desafios de uma integração.

Exemplo americano

Stiglitz acredita em um equilíbrio entre mercado e Estado - e debita o cenário desequilibrado dos EUA na conta do ex-presidente Ronald Reagan. "Reagan colocou no comando do órgão regulador, em 1987, uma pessoa que não acredita em regulação. Não podia dar certo", opina, referindo-se a Greenspan. Ele acredita que o Brasil fez bem em aplicar uma regulação firme que considerasse que os outros mercados não o estavam fazendo, sem ignorar o fato de que a adoção de regras que exigem maior transparência do setor financeiro e mesmo certo conservadorismo é uma resposta à história. "Os EUA seguiram o exemplo da América Latina na chamada década perdida, tomando empréstimos maiores que sua capacidade de pagamento", compara.

A diferença da crise desencadeada nos Estados Unidos pelos atentados terroristas em setembro de 2001 é que, à época, o governo tinha recursos para garantir a liquidez no mercado. Desta vez, destaca, o déficit nacional aumentou de US$ 5,7 trilhões no primeiro ano do governo Bush para cerca de US$ 15 trilhões que devem ser contabilizados ao término de sua administração. Conhecido pelas críticas constantes à guerra do Iraque, Stiglitz acredita que este seja o calcanhar de Aquiles das contas federais, que impediram uma tomada de decisão mais rápida e eficaz na atual crise.

Em artigos sobre o tema, ressalta que o dispêndio direto com o conflito é de US$ 12 bilhões mensais e cerca de 40% dos soldados retornam inválidos - gerando US$ 600 bilhões anuais em benefícios por invalidez e seguro de saúde, no que define como a "primeira guerra da história totalmente financiada com cartão de crédito".

Assim, cabe à Obama o desafio de equilibrar a dívida nacional e a necessidade de liquidez. "É consenso entre economistas que será preciso mais US$ 400 bilhões para tirar a economia nacional do fundo do poço. Mas boa parte de Wall Street acredita que o Obama vai alterar os termos colocados por Paulson na concessão dos US$ 700 bilhões", afirma. "Ainda existem muitas controvérsias."

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 4)(Maria Luíza Filgueiras)