Título: Crise financeira internacional. Oportunidades?
Autor: Silva,Ozires
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/11/2008, Opinião, p. A3

10 de Novembro de 2008 - A chamada corrida espacial teve um produto, o qual, colocado à disposição da comunidade mundial, proporciona a disponibilidade de um complexo e abrangente sistema de comunicações instantâneas e confiáveis, de e para qualquer parte do planeta, não imaginável há poucos anos. A maioria das pessoas ainda não avalia o impacto que todas essas inovações têm provocado em suas vidas. Entre tudo o que está disponível, emergem as facilidades proporcionadas pela internet e pelo telefone celular, este possivelmente o equipamento eletrônico entre os mais empregados na atualidade.

Este artigo está sendo escrito sob o impacto de uma crise financeira internacional, ainda não totalmente compreendida ou absorvida, na qual as comunicações globais tiveram grande influência. Comentaristas e analistas, debruçados sobre que está acontecendo, ainda não mostram unanimidade em suas colocações ou conclusões. Os resultados, ainda por serem inteiramente contabilizados, centram-se sobre séries de descontroles e excessos de liquidez abundante, drenando em perda de confiança de operadores e tomadores, dando origem a bolhas especulativas e, mais sério, pânico, como asseverou recentemente o presidente da BM&F/Bovespa.

Os mesmos analistas, uma vez ocorrida a deflagração da crise, assinalam que ela foi favorecida por alguns aspectos positivos, como, por exemplo, os longos períodos de estabilidade econômica e inflação baixa, dramáticos aumentos de produtividade de países que se desenvolveram, taxas de juros baixas, contudo, criando alguns produtos financeiros de alto risco, viabilizados por ambiente regulatório liberal e com controles reduzidos.

Os reflexos na economia real, e que muito preocupam, estão ligados ao contágio acelerado pelas informações e comunicações globais, emergindo danos à reputação de entidades consagradas, ameaças de deflação global na economia, tudo associado à queda do consumo que leva à recessão e ao desemprego.

Tentando olhar para o Brasil, muitos têm acentuado que os indicadores favoráveis na economia brasileira não deveriam ser considerados méritos do governo brasileiro, mas da orgia do excesso da liquidez internacional, gerando ilusões sem fim de prosperidade e fartura no planeta. No entanto, o que está demonstrado mostra que precisamos estar preparados para enfrentar horizontes novos, como a redução das linhas de financiamento externo, desvalorização cambial (já constatada), possíveis saídas de investidores estrangeiros, apertos nas necessidades de caixa e dificuldades crescentes para construir ou demonstrar garantias para o uso de créditos de terceiros.

Assim, todos estão convencidos que a crise chegou e nos atinge, afetando as empresas e o consumidor comum, conformando um panorama de preços e custos mais altos e créditos mais difíceis. Do ponto de vista financeiro, o governo se apresenta relativamente bem, dispondo de elevados depósitos compulsórios, podendo garantir, por meio das instituições oficiais, financiamentos de longo prazo, o que pode ser útil para as corporações mais voltadas a investimentos pesados e de extensa maturação. Em favor do que foi realizado no passado, chegamos a um panorama de dívida pública reduzida, a um superávit primário relativamente confortável e a uma arrecadação recorde, embora seja necessário que se reduza.

Todos aqueles envolvidos com o processo produtivo, responsáveis pela atenuação dos problemas de empregabilidade, precisam se esforçar para contribuir para com a redução do pânico, contribuindo para o restabelecimento da confiança no sistema. Todos precisarão estar engajados na solvência das instituições, trabalhando para que as limitações relativas à captação sejam reduzidas a um mínimo. Do lado governamental, finalmente, se deveria aceitar a tese da redução das taxas de juros e de votação das reformas essenciais, sobre as quais há tanto tempo se discute. Parece não haver melhor momento para que elas possam se materializar, levando as premissas de produtividade e eficiência aos escalões da administração pública.

Sob o guarda-chuva dos movimentos governamentais, em particular no seio da União Européia (UE), notam-se declarações ostensivas que recomendam maior presença do Estado para melhor disciplinar os mercados, o que indica uma tendência contrária ao que se observou nos últimos anos em todo o mundo. Desde que isso venha para efetivamente impor mais disciplina nos mercados financeiros, via regras mais claras e incisivas, nada a objetar, dizem os analistas.

Para as empresas, a velha receita se aplica com maior intensidade e ganha importância:

Corte de custos; maior cuidado nas análises de novos investimentos; prudência nas necessidades de créditos; estabelecer parcerias; buscar eficiência e produtividade; incentivar a distribuição e venda; conquistar espaço em bancos estatais; constituir imagem e balanços transparentes; inovar em tudo o que seja possível e, como sempre surge em todas as crises, aproveitar as oportunidades.

Finalizando, está esboçado, ainda que num primeiro rascunho, seria útil se pensar que grandes níveis de concorrência surgirão com mais intensidade de várias partes do mundo. Assim, nestes momentos de ampla fragmentação, sente-se que não se pode trabalhar nem caminhar em frente sem a vigência de uma fundamental palavra, que precisa ser reconquistada: confiança!

kicker: Neste momento de fragmentação, reconquistar a confiança é fundamental

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) Ozires Silva* - Diretor-presidente da mantenedora da Universidade de Santo Amaro. Ex-presidente da Embraer. Próximo artigo do autor em 1 de dezembro )