Título: A dívida de São Paulo precisa ser revista
Autor: Seabra,Marcos
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/11/2008, Política, p. A10

São Paulo, 10 de Novembro de 2008 - Sufocado pela falta de recursos para investimentos na cidade, conseqüência principalmente da dívida galopante do município - ainda que paga em dia -, o prefeito paulistano Gilberto Kassab, do DEM, tratou de assegurar meios para cumprir uma de suas principais promessas de campanha: investimentos no sistema de transporte público da cidade com a expansão das linhas do Metrô.

Antes mesmo da eleição municipal ter sido definida nas urnas, Kassab, aproveitando uma visita de Luiz Inácio Lula da Silva a São Paulo, tocou no assunto e convidou o presidente a fazer investimentos no Metrô. Lula gostou da idéia, conta o secretário municipal de Finanças, Walter Aluísio Moraes Rodrigues, e se dispôs a colaborar.

Passada a eleição, que resultou na recondução de Kassab à cadeira de prefeito e a derrota da petista Marta Suplicy, ex-ministra do Turismo na equipe de governo de Lula, o acordo com o Planalto começa a prosperar. O governo vai passar a ser acionista da companhia do Metrô paulistano, em troca de investimentos que podem chegar a R$ 160 milhões mensais, quantia semelhante ao que a prefeitura paulistana desembolsa todos os meses com o pagamento de juros da dívida com a União. "Não vamos deixar de pagar as parcelas da dívida do município de São Paulo, mas com investimentos da União teremos mais folga e a população ganha com mais investimentos no transporte", explica o secretário paulistano de Finanças.

Rodrigues é mais um dos que defendem modificações na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que, desde 2001, obriga estados e municípios a obedecerem um limite de endividamento baseado na receita do Executivo. "É hora de reformular essas regras. Os tempos são outros", diz o secretário. Veja a seguir os principais pontos da entrevista exclusiva concedida pelo secretário municipal de Finanças de São Paulo para a Gazeta Mercantil.

Gazeta Mercantil - Houve um acordo entre o prefeito

Gilberto Kassab, o governador José Serra e o presidente Lula envolvendo investimentos no Metrô e dívidas da capital paulista?

Precisamos primeiro entender a dívida da prefeitura. Ela envolve várias gestões. Em 2000, às vésperas da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal houve uma renegociação. A partir daquele momento a prefeitura deixou de ter capacidade para novos financiamentos. Logo depois do acordo, o Senado aprovou uma resolução dizendo que os municípios podiam ter uma dívida de até 120% da receita corrente líquida. Em 2000, essa relação estava em torno de 200%. O compromisso era de que, em 2016, nós atingíssemos o limite e, a partir daí, quem estivesse enquadrado teria aumentada a capacidade de endividamento.

Gazeta Mercantil - Qual foi o acordo naquele momento?

O custo dessa dívida, no início, era de 6% mais IGP-DI, com o compromisso de, no trigésimo mês - em novembro de 2002 -, termos de amortizar 10% ou 20%. Caso fosse 10%, o juro subiria para 7,5%; se 20%, permaneceria em 6%. E se não fizéssemos nenhum pagamento, o juro subiria para 9%. Mas a administração passada não fez essa amortização e toda a dívida retroagiu ao início com um custo de 9% mais IGP-DI. Em 2005 conseguimos reduzir um pouco , para logo em seguida termos uma subida do índice. O resultado é que nos últimos 12 meses nossa dívida subiu 22%. Esse é o quadro.

Gazeta Mercantil - Esse custo pode ser alterado?

Para mudar isso é preciso de uma nova legislação. Por outro lado, entendemos que o IGP-DI não converge com os demais índices. Nós já falamos isso diversas vezes. O Tesouro Nacional, por exemplo, não emite nenhum recurso corrigido pelo IGP-DI, ele só recebe recursos indexados ao IGP-DI.

Gazeta Mercantil - Qual o total da dívida da prefeitura?

Hoje a dívida chega a R$ 37 bilhões, contra R$ 33 bilhões de julho último. E como foi o acordo em torno do Metrô? O prefeito quer encontrar um jeito de fazer uma parte do dinheiro voltar para a cidade de São Paulo, já que a lei não vai mudar. Mas o acordo não acontece em função de um abatimento de dívida, já que o Tesouro Nacional não pode fazer isso. A idéia é o município continuar pagando a dívida nas mesmas condições, o governo federal faz um termo de acordo com o município de que ele vai colocar dinheiro no Metrô. Isso nos atende, a cidade vai ter investimentos e isso é que é importante.

Gazeta Mercantil - Já está definido o valor desses investimentos?

Bem antes da campanha eleitoral, o presidente Lula esteve aqui (São Paulo) e falou que uma forma de o Planalto ajudar a cidade seria contribuir com as obras do Metrô. Passada a eleição, Lula e o prefeito voltaram ao assunto. A idéia é o governo federal, estadual e municipal repassarem recursos para o Metrô em uma espécie de fundo e recebe em troca ações do Metrô, o mesmo acontece com os governos municipal e federal. Nós pagamos para o governo federal cerca de R$ 160 milhões por mês, obedecendo o limite de 13% da receita líquida real. Esse teto de comprometimento, aliás, nos impede inclusive de amortizar e pagar os juros. Esses resíduos ficam para o final do contrato, que vai até 2030, quando nós teremos problemas e quando esse resíduo vai estar bem próximo da dívida atual. Tendo esse resíduo o acordo prevê a amortização em 10 anos, sem contar com o limite de 13%. Portanto, vamos ter problemas.

Gazeta Mercantil - O governo federal colocaria R$ 160 milhões mensais?

Não há uma quantia certa, mas a idéia é essa: o governo federal participa do investimento, recebe ações e ocupa, inclusive, assento no conselho de administração do Metrô. O parâmetro seria esse - R$ 160 milhões por mês, que é o que a gente paga, em média, pela dívida ao Tesouro Nacional. Algo em torno de R$ 1,2 bilhão ao ano.

Gazeta Mercantil - Isso resolve o problema da prefeitura?

Sim porque resolvemos o problema da população. A cidade ganha.

Gazeta Mercantil - A dívida e o acordo não se misturam?

Não. São coisas diferentes, onde a dívida serve apenas como parâmetro para investimentos do governo federal no Metrô. Nós continuamos pagando a dívida normalmente. Não haveria alteração na legislação ou no acordo firmado em 2000. Seria apenas um convênio onde o governo federal se compromete a apoiar os investimentos no Metrô. Acho que não há ninguém que não queira mais linhas de metrô em São Paulo. Não haverá abatimento de dívida. O que importa é que os recursos saem da cidade para pagar a dívida, rigorosamente em dia.

Gazeta Mercantil - E sobre mudar a legislação como o projeto de resolução que chegou a Brasília pelas mãos do então prefeito José Serra para alterar o limite de endividamento?Esse é um pleito antigo sobre o qual o governador José Serra, quando foi eleito, falou com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Isso tudo tem vida própria. Eu acho que isso tem que andar, mas é uma conversa do Senado que tem que ser resolvida lá. Por aqui vamos continuar pagando a dívida.

Gazeta Mercantil - O senhor acredita que é necessário alterar o limite de endividamento para os municípios?

Sim. Os limites dos municípios deveriam ser equiparados aos que a Lei de Responsabilidade Fiscal fixa para os Estados. Essa é uma demanda antiga de capitais e cidades médicas. Para nós, a principal alteração seria mudar o fator de correção. O IGP-DI deveria até parar de ser calculado de tanto mal que faz. A escolha poderia ser até o IPCA. Não se pode tratar desiguais de maneira igual, isonomia é também tratar os desiguais de forma desigual. Não dá para comparar São Paulo com cidades menores.

Gazeta Mercantil - Existe algum projeto para alterar esse índice?

Não ainda, mas o acordo prevê a possibilidade de negociar tudo isso. Se a legislação dá esse espaço para renegociar então vamos renegociar. Inclusive amortizar parte da dívida, embora tenha passado do prazo. Queremos amortizar parte da dívida para reduzir os juros. Com a amortização de 10%, poderíamos ter juros de 7,5%; se a amortização fosse de 20%, os juros cairiam para 6%. Podemos negociar para retroagir ao prazo anterior. Eventualmente podemos fazer uma amortização, apesar do mundo estar em crise. Aliás antes da crise, no ano passado, havia interesse do mercado privado de oferecer uma coisa melhor, já que os juros de mercado estão muito baixos. Estamos conversando como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento sobre uma eventual amortização e redução de custos, inclusive com o conhecimento do Tesouro Nacional.

Gazeta Mercantil - A capacidade de investimento para 2009 está mantida?

Nosso orçamento foi feito num cenário mais conservador em função da crise. Conseguimos um aumento de receita bastante expressivo. Nas receitas próprias, por exemplo, sobretudo o ISS, tivemos a nota fiscal eletrônica, o cadastro das empresas que operam na cidade, o parcelamento de dívidas com a com a prefeitura, vendemos a folha de pagamento para o Itaú, além do crescimento da economia. Isso tudo nos fez projetar algumas variantes. De qualquer forma a prefeitura faz investimentos com recursos próprios e algumas parcerias com os governos estadual e federal.

Gazeta Mercantil - Recursos para satisfazer o acordo em torno do Metrô estão previstos?

Temos R$ 250 milhões para colocar no Metrô. O prefeito prometeu R$ 1 bilhão nos quatro anos de mandato, temos uma quarta parte para 2009. Tudo isso, claro vai depender da negociação com o governo federal.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(Marcos Seabra)